sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Revolta, Ressentimento, Amor e Gratidão

Dentro de nós – pronto a revelar-se – vive a revolta e o ressentimento. Eles são a resposta à dor, aos inimigos, à crueldade da vida, às afrontas, à morte, às desilusões.
E isso pode cegar-nos. A revolta e a descrença não são bons companheiros, e conduzem-nos à ingratidão. Um coração cheio de fel, que não esquece as ofensas e as injustiças, é incapaz de fruir as alegrias que a vida contém, ou de reconhecer a mão amiga, um sorriso, um acto de justiça.
A ingratidão – associada à revolta e descrença - é um poço sem fundo, que envenena definitivamente a vida. É uma forma de loucura, nas palavras de Epicuro: «A vida dos loucos é vazia de gratidão, e cheia de ansiedade».
E é, por outro lado, uma expressão de falta de amor: é-se ingrato e revoltado, porque não amamos suficientemente os outros, a vida, projectos; ou porque não temos ou não valorizamos em grau suficiente as amizades ou o amor dos outros…
Como se diz, no Eclesiastes, só pela «medicina do amor nós nos tornamos felizes» (Eclesiastes). Só o amor faz nascer em nós a gratidão, só ele permite estabelecer laços de harmonia com a vida, e eliminar ressentimentos e fazer esquecer a crueldade do mundo.
Filósofos como Epicuro, realçaram o papel do amor – sobre a forma de amizade -, no combate que temos que manter contra as nossas tendências para o ressentimento e para a ingratidão. E realçaram também a necessidade de uma serena aceitação das agruras da vida, no quadro de uma filosofia muito antiga mas muito actual. Na falta de formas de amor que espontaneamente preencham a nossa vida e nos torne gratos, essa filosofia pode ser essencial.
Vale a pena reflectir nas palavras de um Epicuro (ou de um Séneca), a este propósito. Elas têm mais de dois mil anos, mas são intemporais:

Há que sarar as nossas feridas por via de uma atitude serena face ao passado e pelo reconhecimento de que é impossível desfazer o que está feito.
Epicuro, 341-270 a.C., filósofo grego, The Extant Remains

Infeliz será sempre quem assim se vê a si mesmo.
Tudo depende de como pensamos. (…) A infelicidade é directamente proporcional ao nosso convencimento de tal.
Que interessa a tua vida e o teu lugar no mundo, se à partida o detestas?
Porque coleccionas sofrimentos passados e te sentes infeliz hoje porque ontem o foste? (…) Quando os problemas acabam, manda a vida que fiquemos satisfeitos.
Os animais selvagens fogem aos perigos do momento, para logo, uma vez acabados, não mais se preocupam com eles. Nós, ao contrário, somos atormentados pelo que passou e pelo que está para vir.
As nossas faculdades ferem-nos, já que a memória das coisas nos traz a agonia do medo, e a nossa capacidade de antecipar traz desgraças de outra forma inexistentes. Ninguém é incapaz de confinar a sua infelicidade ao presente.
Séneca, filósofo e político romano, Letters to Lucilius

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