O amor romântico e o amor libertino são normalmente vistos em planos opostos. O amor romântico e lírico envolve fidelidade, encantamento, sonho. O amor libertino canta a aventura, é lascivo, é infiel, não cultiva a poesia, não engrandece o ser amado…
É assim que se costuma pôr a questão. Mas nem sempre é assim, ou totalmente assim. Há casos em que certas facetas atribuídas a um dos amores estão também presentes no outro.
Para começar, o amor romântico não é obviamente um amor sem sexo, platónico, reduzido a jogos medievais de damas e cavaleiros. O sexo está no centro dos grandes amores românticos, e não é exclusivo do amor libertino. Mesmo grandes amores românticos medievais, como o de Heloísa e Abelardo, não deixaram de ser profundamente sexuais.
Na mesma linha, o amor libertino não é necessariamente sinónimo de amor desbragado, sem regras, sem poesia, sem lirismo, reduzido ao sexo, e à sua procura. É-o porventura na maioria dos casos. Mas há excepções, e talvez a maior seja dada pelos amores cantados por Ovídio, na sua Arte de Amar, o grande tratado clássico do amor libertino.
As feministas mais radicais poderão não gostar de alguns elementos machistas de Ovídio; os mais conservadores detestarão o elemento libertino da Arte de Amar, mas no seu conjunto os amores de Ovídio são sobretudo jogos de aventura e sedução, sem desbragamento ou lascividade. E inesperadamente, o elemento poético e lírico, normalmente atribuído em exclusivo ao amor romântico, é fortíssimo em Ovídio.
Citações
Excertos da Arte de Amar, de Ovídio
Ovídio, 43-17 d. C, escritor romano
Não podemos evitar que desapareçam as graças da juventude. Colhei, pois, a flor, porque, caso contrário, sem proveito murchará e cairá.
Segui o exemplo das deusas, e não desdenheis dos gozos que vos podem proporcionar os desejos dos vossos amantes.
Os anos correm e passam como a água; a onda que passou ante os nossos olhos, como a hora que passa, jamais voltará. Por isso, é preciso retirar proveito da idade; por muito felizes que sejamos, a idade escapa-se-nos rapidamente, e nada é como dantes.
Diverti-vos impunemente com as mulheres, se sois sábio.
É mais fácil que os pássaros emudeçam na Primavera, que as cigarras não cantem no Verão, ou o cão de Nénalo fuja diante das lebres, do que uma mulher resistir à carinhosa solicitude de um homem.
Promete, promete com ousadia, pois as promessas vencem as mulheres! Júpiter, que lá do alto observa e testemunha os perjúrios dos amantes, ri-se deles e ordena aos ventos de Éolo que os levem e anulem.
Deves mostrar-te apaixonado e, com as tuas palavras, dar a sensação de que estás ferido de amor. Para persuadi-la, todos os meios são bons. Não é difícil fazê-la acreditar. Toda a mulher se julga digna de ser amada e nunca faltou um chinelo velho para um pé doente.
Quem rouba um beijo e não rouba o resto, merece perder os favores prometidos.
O amor proibido agrada igualmente ao homem e à mulher. Apenas acontece que o homem não sabe dissimular, e a mulher esconde muito melhor os seus desejos.
Até as mais castas sentem prazer quando são elogiadas pelos seus encantos. Também as virgens zelam e cuidam da sua beleza.
Faz, pois, com que a tua amiga trema; ateia o incêndio no seu morno coração; que ela empalideça ao ter conhecimento da tua infidelidade.
Quando estiver muito irritada e te parecer que se tornou numa declarada inimiga, pede-lhe para fazerem as pazes na cama. Tornar-se-á mansa.
É na cama que se fazem as pazes, sem se recorrer às armas. É lá que nasce o perdão. As pombas que brigam constantemente, unem os bicos e os seus arrulhos são uma linguagem de amor.
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