sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Amor, Guerra de Sexos e Natureza Humana

Uma mulher sem um homem é como um peixe sem uma bicicleta.

Atribuído a Gloria Steinem, feminista americana.

As mulheres que procuram ser iguais aos homens, têm falta de ambição.

Timothy Leary, 1920-1996, escritor americano citado em www.womens.Net

Alguns homens são decentes, hoje em dia. Podemos gostar deles. Temos ainda que os manter na linha, claro está, mas já não é mais necessário abatê-los à primeira vista.
Cynthia Heimel, escritora americana, Sex Tips for Girls

Há uma guerra de sexos, por detrás das relações de amor – ou que deveriam ser de amor – entre homem e mulher?

A opressão a que as mulheres foram sujeitas em sociedades do passado, ou certas guerras de palavras e acusações presentes, parecem confirmá-lo. Há diferenças de natureza entre o homem e a mulher, a abrir uma base conflitual.
No entanto, contraditoriamente, muitas mulheres (algumas feministas), negam essas diferenças de natureza:

Não nascemos mulheres; tornamo-nos mulheres
Simone de Beauvoir
Não há um espírito feminino. O cérebro, como o fígado, não é um órgão sexual
Charlotte Gilman

A guerra, neste caso, teria pouco sentido. As diferenças entre sexos seriam uma questão cultural e acabariam com o aperfeiçoamento ético da espécie humana. Os progressos recentes apontariam aliás nesse sentido, como parece constatar Virgínia Woolf:

Todas essas pequenas coisas de sexo contra sexo, de qualidade contra qualidade, todas essas reclamações de superioridade ou inferioridade, pertencem ao estádio escolar da existência humana, em que havia dois lados, e era necessário um dos lados bater no outro.

Mas a questão parece ser bem mais complexa. A ciência tem vindo a constatar diferenças, e subjacente à grande literatura há essa mesma constatação. Não há apenas dimorfismo corporal. Há também dimorfismo mental entre homem e mulher:

Ao longo da nossa história evolucionária, homens e mulheres defrontaram diferentes oportunidades e constrangimentos. Para o homem o sexo casual com uma estranha representava um risco menor – infecção, descoberta pela mulher – e uma grande recompensa potencial: a adição a baixo custo de mais uma criança ao seu património genético. Os homens que agarraram tais oportunidades deixaram certamente mais descendentes do que os homens que o não fizeram. Por isso, e uma vez que por definição somos descendentes dos antepassados mais prolíficos, torna-se razoável defender que os homens modernos possuem traços de oportunismo sexual. Praticamente todos os machos mamíferos o possuem, mesmo aqueles que são predominantemente monogâmicos. O que não quer dizer que todos os homens sejam irremediavelmente promíscuos ou que todo o homem seja um potencial violador; apenas que os homens são mais facilmente tentados pelas oportunidades do sexo ocasional do que as mulheres.
Matt Ridley, Red Queen

As diferenças entre homens e mulheres não implicam, obviamente, que tenha que haver uma inevitável guerra de sexos, e que as aberrações do passado se tenham que repetir no presente. Significa apenas que devemos estar atentos a elas, e informados, sob pena de cairmos em conflitos e situações desagradáveis e mesmo aberrantes.


Citações
A natureza feminina: sim ou não?

A pretensa natureza feminina é uma coisa eminentemente artificial - o resultado de uma repressão forçada ou de estímulos numa certa direcção.

John Stuart Mill, 1806-1873, filósofo e político inglês, The Subjection of Women

Não há um homem inteiramente masculino nem uma mulher inteiramente feminina.

Margaret Fuller, 1810 - 1850, escritora americana, Woman in the Nineteenth Century

Tenho os dois sexos do espírito.

Michelet, 1798-1874, escritor e historiador francês, Les Deux sexes de l'esprit

A nossa civilização favorece no homem a emergência de sentimentos e sensibilidades considerados femininos, e favorece na mulher a expressão de qualidades organizadoras consideradas masculinas.

E. Morin, sociólogo e filósofo francês, Método V

O unissexo significa não a abolição da diferença dos sexos, mas o reconhecimento da sua parte comum.

E. Morin, sociólogo e filósofo francês, Método V

Cada humano, homem ou mulher, traz consigo a presença mais ou menos abafada, mais ou menos forte, do outro sexo.

E. Morin, sociólogo e filósofo francês, Método V

Há homens mais ou menos efeminados e mulheres mais ou menos virilizadas, e toda a gama dos bissexuais, homossexuais e transexuais que escapam à alternativa simplificadora.

E. Morin, sociólogo e filósofo francês, Método V

É quase sempre o lado feminino do homem que o livra do pior.

A. Comte-Sponville, filósofo francês, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes

As mulheres são menos enganadas pelas ideias do que os homens, e isso é, claro está, uma vantagem.

A. Comte-Sponville, filósofo francês, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes

Amor, Sexo e Humor

Atribui-se a Bette Davis, uma famosa atriz americana, a afirmação de que «Deus quis brincar connosco ao criar o sexo». E de fato às vezes assim parece, se tivermos em conta as extremas e loucas opiniões sobre a questão. Elas são tão desencontradas que até parece mesmo haver um dedo superior e maroto por detrás.

O sexo é como o dinheiro: não se pensa em mais nada se não o temos, e só pensamos noutras coisas se o temos.

James Baldwin, escritor norte-americano, Collected Essays

O sexo dá-nos um instinto inebriante e poderoso, que nos move continuamente, de corpo e alma, em direcção ao outro.

George Santayana, 1863-1952, filósofo americano, The Sense of Beauty

O sexo transforma a escolha e conquista de um parceiro numa das mais gratas ocupações da vida humana; ele acrescenta à posse o prazer mais intenso, à rivalidade a raiva mais feroz, e à solidão uma eterna falta. Será preciso mais para inundar o mundo com o significado e a beleza mais profundos?

George Santayana, 1863-1952, filósofo americano, The Sense of Beauty

O amor banal é fundamentalmente um apetite voraz por uma certa quantidade de branca e delicada carne humana.

Henry Fielding, 1707-1754, escritor inglês, A história de Tom Jones 

O amor é a presunção de que uma certa mulher é diferente das demais.

H. L. Mencken, 1880-1956, jornalista americano, Mencken Chrestomathy

O que desejamos não é uma mulher em particular, e que é real, mas a sua posse, o que não o é.

A. Compte-Sponville, filósofo francês, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes

Na nossa fraqueza há quem seja tentado a encarar a questão literalmente, e a admitir que Deus tem de fato qualquer coisa a ver com a nossa vida e valores sexuais. Há quem direta e ansiosamente apele à intervenção divina na sua vida sexual.
Palavras de Santo Agostinho, rezando:

Meu Deus, dai-me castidade e contenção, mas não já.

Para Santo Agostinho, «amar e ser amado era a coisa mais doce, sobretudo se podia gozar o corpo da criatura amada». Ele não admitia a perda do amor sexual. Mas veja o que o mesmo Santo Agostinho, passados alguns anos, escreveu nas suas Confissões:

Livra-me Senhor do visco da concupiscência, para que a minha alma siga até Ti, para que não seja rebelde nem mesmo durante o sono. Para que, pelo estímulo de imagens bestiais, não cometa as torpezas degradantes da lascívia carnal, e não consinta nisso.

Somos de fato seres contraditórios, e o sexo está indubitavelmente no coração de muitas das nossas contradições.

O Amor Libertino e o Amor Romântico e Lírico

 

O amor romântico e o amor libertino são normalmente vistos em planos opostos. O amor romântico e lírico envolve fidelidade, encantamento, sonho. O amor libertino canta a aventura, é lascivo, é infiel, não cultiva a poesia, não engrandece o ser amado…

É assim que se costuma pôr a questão. Mas nem sempre é assim, ou totalmente assim. Há casos em que certas facetas atribuídas a um dos amores estão também presentes no outro.

Para começar, o amor romântico não é obviamente um amor sem sexo, platónico, reduzido a jogos medievais de damas e cavaleiros. O sexo está no centro dos grandes amores românticos, e não é exclusivo do amor libertino. Mesmo grandes amores românticos medievais, como o de Heloísa e Abelardo, não deixaram de ser profundamente sexuais.

Na mesma linha, o amor libertino não é necessariamente sinónimo de amor desbragado, sem regras, sem poesia, sem lirismo, reduzido ao sexo, e à sua procura. É-o porventura na maioria dos casos. Mas há excepções, e talvez a maior seja dada pelos amores cantados por Ovídio, na sua Arte de Amar, o grande tratado clássico do amor libertino.
As feministas mais radicais poderão não gostar de alguns elementos machistas de Ovídio; os mais conservadores detestarão o elemento libertino da Arte de Amar, mas no seu conjunto os amores de Ovídio são sobretudo jogos de aventura e sedução, sem desbragamento ou lascividade. E inesperadamente, o elemento poético e lírico, normalmente atribuído em exclusivo ao amor romântico, é fortíssimo em Ovídio.

Citações
Excertos da Arte de Amar, de Ovídio

Ovídio, 43-17 d. C, escritor romano

Não podemos evitar que desapareçam as graças da juventude. Colhei, pois, a flor, porque, caso contrário, sem proveito murchará e cairá.

Segui o exemplo das deusas, e não desdenheis dos gozos que vos podem proporcionar os desejos dos vossos amantes.


Chegará um dia em que tu, que agora foges ao amor, te verás velha e abandonada, condenada a passar a noite sozinha, no teu leito gelado. Por tua causa não se levantará nenhuma disputa nocturna querendo forçar-te a porta, nem, pela manhã, terás rosas espalhadas junto da soleira.

Os anos correm e passam como a água; a onda que passou ante os nossos olhos, como a hora que passa, jamais voltará. Por isso, é preciso retirar proveito da idade; por muito felizes que sejamos, a idade escapa-se-nos rapidamente, e nada é como dantes.

Diverti-vos impunemente com as mulheres, se sois sábio.

É mais fácil que os pássaros emudeçam na Primavera, que as cigarras não cantem no Verão, ou o cão de Nénalo fuja diante das lebres, do que uma mulher resistir à carinhosa solicitude de um homem.

Promete, promete com ousadia, pois as promessas vencem as mulheres! Júpiter, que lá do alto observa e testemunha os perjúrios dos amantes, ri-se deles e ordena aos ventos de Éolo que os levem e anulem.

Deves mostrar-te apaixonado e, com as tuas palavras, dar a sensação de que estás ferido de amor. Para persuadi-la, todos os meios são bons. Não é difícil fazê-la acreditar. Toda a mulher se julga digna de ser amada e nunca faltou um chinelo velho para um pé doente.

Quem rouba um beijo e não rouba o resto, merece perder os favores prometidos.

O amor proibido agrada igualmente ao homem e à mulher. Apenas acontece que o homem não sabe dissimular, e a mulher esconde muito melhor os seus desejos.

Até as mais castas sentem prazer quando são elogiadas pelos seus encantos. Também as virgens zelam e cuidam da sua beleza.

Faz, pois, com que a tua amiga trema; ateia o incêndio no seu morno coração; que ela empalideça ao ter conhecimento da tua infidelidade.

Quando estiver muito irritada e te parecer que se tornou numa declarada inimiga, pede-lhe para fazerem as pazes na cama. Tornar-se-á mansa.

É na cama que se fazem as pazes, sem se recorrer às armas. É lá que nasce o perdão. As pombas que brigam constantemente, unem os bicos e os seus arrulhos são uma linguagem de amor.

Amor, Prazer, Pecado e Decadência

O prazer está conotado frequentemente com o pecado. No caso concreto do amor, o prazer é associado ao amor sexual, frequentemente visto como pecaminoso, associado a excessos, à irresponsabilidade. E no entanto o prazer existe em todas as formas de amor, e regula toda a nossa existência e os nossos comportamentos…
Os nossos amores podem implicar por vezes sacrifícios, generosidade, compaixão, caridade, doação, mas até no fundo desses amores e desses actos não deixa de haver prazer. Na base do amor a namorados, cônjuges, pais, filhos há também sentimentos de alegria, apaziguamento, harmonia, ou seja, em suma, sentimentos de prazer.

Quando amamos Deus, não deixamos de retirar prazer, satisfação, desse amor. Quando amamos certas ideias, certas formas de poder, ou certas expressões artísticas, fazemo-lo porque temos prazer nisso. O amor é indissociável do prazer. Não se pode amar duradouramente e intensamente sem retirar prazer daquilo que amamos.
É algo inelutável e ineliminável. As nossas vidas estão balizadas por princípios e regras de prazer e dor. Somos animais cujos comportamentos e mentes estão enquadrados nesses termos. Procuramos o prazer (por via do amor, ou por outras vias), e fugimos à dor. Procuramos o prazer da comida, o prazer da poesia, o prazer da música, o prazer do poder, do domínio. Fugimos à dor imediata, à dor causada pelo espectro da morte, à dor associada aos nossos medos.
Nesta perspectiva, o amor é apenas uma das vias de obter prazer, alegria - a via porventura mais importante, sem a qual, a vida perde sentido.

Genocídios, Chacinas, Amor e Genes do Mal

 

Há múltiplos indícios e registos de chacinas colectivas, em diversos lugares, mundo fora, no nosso passado humano. A Bíblia contém múltiplas referências a genocídios. Moisés, ele próprio, ordenou massacres, como se refere detalhadamente no livro dos Números.

Moisés falou então ao povo: ‘Armai de entre vós homens para a guerra, para combater Madian e realizar a vingança’
Combateram contra Madian como o Senhor tinha ordenado a Moisés, e mataram todos os varões. (…)
Moisés porém irou-se contra os oficiais do exército, e os vários chefes que regressavam da batalha, e disse-lhes: «Porque deixaste com vida todas as mulheres?» (…) Vamos, matai agora todo o rapaz e toda a mulher que tenha tido relações com homens; mas conservai vivas as raparigas que não tiveram relações com homens, e ficai com elas.

Hitler e Estaline não são aberrações ou excepções. Antes deles houve muitos outros massacres, e, mais perto de nós, os exemplos também não faltam: Pol Pot no Camboja, os massacres de Ruanda, em África, ou os do Kosovo, na civilizada Europa.

Mais: de acordo com a perspectiva da actual genética evolucionista, genocídios como os descritos na Bíblia representam fortes vantagens para os genes daqueles que os praticam. Eles difundem-se, enquanto os genes das vítimas são varridos. E os genes podem muito bem favorecer esses comportamentos agressivos. Noutros termos: sem o saberem, Moisés e os seus seguidores estavam a seguir os interesses e os ditames dos genes.
À sombra da religião, de princípios de amor a Deus e a ideias, há ódio e, sem o sabermos, impulsos e instintos ditados pelos genes.

Quando O Amor Alimenta o Mal e o Ódio

O amor é o supremo bem:

Apenas há uma forma de se ser feliz na vida: amando e sendo amado

George Sand
Apenas a alma que ama é feliz.

Goethe
Nós, seres humanos, somos animais dependentes do amor
Humberto Maturama

Até o ódio pode ser vencido pelo amor:

O ódio não é conquistado com ódio: o ódio é conquistado com amor. Esta é uma lei eterna
Pali Tripitaka
O amor é a única coisa capaz de transformar um inimigo num amigo
Martin Luther King, Jr

E no entanto, caprichosamente, o amor também pode ser fonte de ódio. O amor defraudado é ciumento e perigoso. «O amor frustrado transforma-se facilmente em ódio», constata Morin. Ele é causa de muitos milhares de violentos crimes passionais:

O amor é uma aventura que se arrisca à ilusão e à mentira, e a terminar em tragédia:
Edgar Morin

Aquele que ama quer possuir a sua amada e ficar com ela só para si. Antes vê-la morta, do que ela ser feliz com qualquer outro!

A. Compte-Sponville

A outro nível, certas formas de amor religioso e político são igualmente fonte de muitos crimes e ódio. Na Idade Média, o amor a Deus – ou certas concepções de amor a um certo Deus -, alimentou múltiplas perseguições religiosas, e muitos morticínios. Milhares ou milhões de homens morreram, em guerras fratricidas, ou nas fogueiras da Inquisição. E o terrorismo actual, e muitos movimentos políticos do século XX – com o que eles envolveram de amor a certos projectos e ideias – aí estão igualmente para demonstrar que o amor também pode ser fonte de mal e de ódio.

Amar O Mal, Indiferença, Egoísmo, Crueldade

 

Há quem ame o mal. Há cultos diabólicos, onde o mal é venerado. Há quem ame a crueldade, que é obviamente um das formas supremas de mal. Oiça-se Gengis Khan:

A felicidade consiste em vencer os inimigos, em vê-los de joelhos à nossa frente, em tirar-lhes as suas propriedades, em saborear o seu desespero, em ultrajar as suas mulheres e filhas.
Gengis Khan, em Witold Rodzinski  The Walled Kingdom

O mal é poderoso. Faz parte da crueldade da vida. Por isso, amar o mal, é frequente. Mas amar o mal não envolve necessariamente cultos esotéricos, ou a paranóia de Gengis Kahan.
Há outras formas mais comuns de amar o mal: amar o dinheiro pode ser uma fonte poderosa de mal; tal como o amor excessivo ao eu - o egoísmo virulento -, que leva a que esqueçamos os outros, os seus males, e a ajuda que lhes devemos. Disse Kant: «O egoísmo é a fonte profunda do mal». E Pascal: «O eu é o centro de tudo, e é contrário aos outros, a quem ele gostaria de escravizar; cada eu é o inimigo que gostaria de ser o tirano de todos os outros eus.»
As palavras de Pascal podem ser excessivas, e podemos recusá-las, nos termos em que ele o faz. Mas é bem mais difícil recusar outras posições sobre a indiferença (associada ao nosso amor ao nosso Eu) e o mal que ele representa:

O pior pecado contra os seres humanos não é o ódio para com os homens, mas a indiferença. É essa a essência da inumanidade.

Bernard Shaw, 1856-1960, escritor irlandês, The Devil's Disciple 

A pior doença a que nos nossos dias estamos sujeitos, não é a lepra ou a tuberculose, mas o sentimento de que se é indesejado, e de que se está sem apoios, abandonado.

Madre Teresa de Calcutá, 1910-1997, missionária, em Observer 3/10/71

Para que o mal triunfe, basta que aqueles que lhe podem opor permaneçam indiferentes.

Edmund Burke, 1729-1797, filósofo politico inglês, Reflections on the Revolution in France  
Custa pouco não causar dano a quem se deveria ajudar.

Séneca,  4 a.C.-65 d. C., filósofo romano, Epístolas a Lucílio

Mentir em Nome do Amor e da Sabedoria

 

Kant, o grande filósofo alemão do século XVIII, era um adepto indefectível da razão. A razão dignifica-nos, eleva-nos, transforma-nos em seres superiores. Nesse âmbito, Kant concebeu os chamados «imperativos categóricos», do tipo «Não mintas, em ocasião alguma», a que deveríamos obedecer piamente.
Kant não admitia excepções aos seus imperativos, fixados por via racional. Só assim eles eram categóricos.

Mas será que amar a verdade, é nunca atraiçoá-la, é nunca mentir? Será que a verdade deve ser encarada como um postulado científico, inquebrável?
Kant achava que sim. Em nome de quê? Em nome da dignidade humana, em nome da razão. Para ele o imperativo categórico da verdade era inquestionável, ainda que isso beneficiasse quem não merecesse e prejudicasse os fracos e pobres, e causasse sofrimento.
Mas será mesmo assim? Será que não é legítimo mentir a criminosos e a ditadores que perseguem e atormentam inocentes? Será que devemos revelar ao moribundo a verdade da sua situação?
A resposta humanista tem que ser não. A verdade que causa sofrimento desnecessário ao moribundo ou a pessoas violentadas, é crueldade. Não mentir ao assassino e ao terrorista que sequestra, é colaboracionismo cruel e tolo. Os «imperativos categóricos» podem e devem ser quebrados, em determinadas situações. A verdade não pode estar sempre acima do amor que devemos aos outros.
Há muitos casos em que a verdade tem que ser defendida a tudo o custo, ainda que isso nos cause lágrimas, desgosto e até sofrimento. Não podemos, por exemplo, negar a verdade científica para conforto próprio. Não podemos teimar em ver-nos como seres especiais, criados à imagem de Deus, em vez de seres descendentes de símios.
Mas essa não é uma regra absoluta. Também há ocasiões e situações em que a mentira é legítima, em que certas verdades factuais podem e devem ser omitidas em nome do amor.

Citações
Verdade e mentira

Mentir a um polícia nazi que nos pergunta se escondemos um resistente em nossa casa, não é mentir, é dizer a verdade.

V. Jankélévitch, 1903-1985, ensaista francês, Traité dés vertus

A verdade é, frequentemente, uma arma de agressão terrível. É possível mentir e até matar com a verdade.

Alfred Adler, 1870-1937, psiquiatra austríaco, The problem of neurosis

Malditos sejam aqueles que colocam abaixo do amor a verdade criminosa da informação! Malditos sejam os brutos que falam sempre a verdade! Malditos sejam aqueles que nunca mentiram!

V. Jankélévitch, 1903-1985, ensaista francês, Traité des vertus

Alguém que diz a uma pessoa que está a morrer que ele vai morrer, mente: primeiro, literalmente, porque ele, muito simplesmente não sabe o que só Deus pode saber, e depois porque ninguém tem o direito de dizer a outro que ele vai morrer.

V. Jankélévitch, 1903-1985, ensaista francês, Traité des vertus

As pessoas pobres e abandonadas não devem ser sujeitas ao sofrimento. Isso é mais importante do que tudo o mais, incluindo a verdade.

V. Jankélévitch, 1903-1985, ensaista francês, Traité des vertus

É melhor mentir do que torturar, melhor mentir que aterrorizar. A verdade não pode tomar o lugar de tudo.

A. Compte-Sponville, filósofo francês, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes

Nem tudo deve ser dito, já que tal seria loucura; mas tudo aquilo que se diz, deve corresponder ao que pensamos; de outra forma seria desonesto.
Montaigne, 1533-1592, Filósofo francês, Essays

Não podemos legitimamente mentir a nós mesmos, porque fazê-lo é valorizarmo-nos mais do que à verdade, valorizar mais o nosso conforto e a nossa boa consciência do que o nosso espírito.
A. Comte-Sponville, Filósofo Francês, Pequeno Tratado sobre as Grandes Virtudes

É o homem que torna grande a verdade.
Confúcio, 551-479 a. C., filósofo chinês, Analectos.

São precisos dois para dizer a verdade - um para falar, outro para ouvir.
Henry D. Thoreau, 1817-1862, ensaísta americano, A Week on the Concord and Merrimack Rivers

Os Homens amam os Mitos e os Sonhos

Disse Goethe: Duas almas moram, ai de mim!, no meu peito.

É algo que se pode aplicar à nossa relação com a verdade. Amamos a verdade, é isso que frequentemente dizemos a nós mesmos, e por vezes acontece. A verdade fascina-nos, e às vezes perseguimo-la como o detective persegue o criminoso, sobretudo se ela se inscreve nos nossos interesses e nos conforta: «A verdade é doce como a flor do pessegueiro» (Gandhi).

Mas quando a verdade é assustadora – e ela é frequentemente assustadora, e «dura como o diamante» (Gandhi) – então nesse caso há uma voz que clama dentro de nós no sentido da fuga.
Saber é sofrimento, diz-se nas sagradas escrituras budistas. A ignorância é uma bênção, proclama-se no Eclesiastes: «Na muita sabedoria há muita arrelia, e o que aumenta o conhecimento, aumenta o sofrimento». É a alma que gosta de negar a verdade a dizer-nos: «Ama o que te consola. Essa é que é a verdade».

E é por isso que Heraclito diz, a propósito dos homens:

Estão acordados, mas dormem.

E Richard Whately:

Uma coisa é querer a verdade do nosso lado, outra é querer sinceramente estar no lado da verdade.

E Calderon de La Barca, a propósito das nossas vidas:

O que é a vida? Uma ilusão, uma sombra, uma ficção. E o maior dos bens é de pouco valor, já que toda a vida é sonho, e os sonhos não passam de sonhos.

Infelizmente para nós, o sonho pode ser também a trivialidade, o banal, e a mentira. Duas almas moram, ai de nós!, nos nossos peitos.


Citações
As nossas Relações com a Verdade e o Nosso Amor à Verdade

O coração tem razões que a razão desconhece.

B. Pascal, 1623-1662, filósofo, físico e matemático francês, Pensamentos   

Sabemos a verdade não apenas pela razão, mas também pelo coração.

B. Pascal, 1623-1662, filósofo, físico e matemático francês, Pensamentos   

Atira todos os preconceitos porta fora, e eles voltarão pela janela.

Frederico o Grande, rei da Prússia, 1712-1786, Oeuvres Complètes (carta a Voltaire)

Os escritores satíricos podem rir, os filósofos podem pregar, mas a Razão, essa, respeitará os preconceitos e os hábitos que foram consagrados pela experiência da humanidade.

Edward Gibbon, 1734-1794, historiador britânico, Memoirs of My Life
Aquele que se julga a si próprio como um Juiz da Verdade e do Conhecimento é afundado pelo riso dos deuses.

Albert Einstein, 1879-1955, físico de origem alemã, em EinsteinQuotes.html, rescomp.stanford.edu, por Kevin Harris  

O «justo» e o «certo» são ditados pelos interesses do partido mais forte.

Platão, 429-347 a. C., filósofo grego, A República 

Os erros, como a palha, crescem à superfície. Quem quiser a verdade tem que cavar mais abaixo.

John Dryden, 1631-1700, escritor inglês, All for love  

Se persegues realmente a verdade, então, deves, pelo menos uma vez na vida, tão profundamente quanto possível, duvidar de tudo.

Descartes, 1696-1650, filósofo francês, Discurso do Método

Aquele que quer distinguir o verdadeiro do falso deve ter uma ideia adequada do que é verdade e do que é falso.

B. Espinosa, 1632-1677, filósofo holandês, Ethics

Todos os homens julgam os limites do seu campo de visão como os limites do mundo.

Arthur Schopenhauer, 1788-1860, filósofo alemão, Parerga e Paralipomena

Citações
Ironia e Humor sobre o nosso Amor à Verdade

A verdade, embora divina, não nos é benvinda.

William Cowper, 1731-1800, poeta inglês, The Flatting Mill 

Uma coisa é querer a verdade do nosso lado, outra é querer sinceramente estar no lado da verdade.

Richard Whately, 1787-1863, teólogo e poeta inglês, Essay on…Writings of the Apostle Paul 

As palavras são baratas. A coisa maior que se pode dizer é ‘elefante’.

Charlie Chaplin, actor e cineasta inglês, citado em The Movie Greats, de B. Norman

Quanto mais longa a explicação, maior a mentira.

Provérbio Chinês.

Crianças e loucos falam verdade.

John Lyly, 1554-1606, escritor inglês, Endymion  

Um pouco de sinceridade é uma coisa perigosa; uma grande dose é absolutamente fatal.

Óscar Wilde, 1854-1900, escritor irlandês, Intentions  

Sem a mentira a humanidade morreria de desespero e aborrecimento.

Anatole France, 1844-1924, escritora francesa, La vie en fleur

Na dúvida, há que dizer a verdade.

Mark Twain, 1835-1919, escritor norte-americano, Pudd'nhead Wilson's Calendar

É perigoso ser-se sincero, a não ser que se seja estúpido.

Bernard Shaw, 1856-1950, escritor inglês, Man and Superman

Há três tipos de mentiras: mentiras, mentiras amaldiçoadas e estatísticas.

Atribuído a Benjamin Disraeli, 1804-1881, político inglês, por Mark Twain, em Biography

Se a verdade é a coisa mais valiosa que possuímos, então temos que economizá-la.

Mark Twain, 1835-1910, escritor norte-americano, Following the Equator  

Se não é verdade, foi muito bem inventado.

Giordano Bruno, 1548-1600, filósofo italiano, Degli Eroici Furori  

A natureza enterrou a verdade nas profundezas do mar.

Demócrito, 460-270 a. C., filósofo grego, citado por Cícero em De finibus  

Nem todas as verdades podem ser ditas.

George Herbert, 1593-1633, poeta inglês, Jacula Prudentum 

Os factos são os inimigos da verdade.

Cervantes, 1547-1616, escritor espanhol, Don Quixote

Nenhum poeta interpretou alguma vez tão livremente a natureza como o advogado interpreta a verdade.

Jean Giraudoux, 1882-1994, escritor francês, La Guerre de Troie n’aura pas lieu

O bom senso é a mais bem distribuída mercadoria do mundo, já que cada homem está convencido de que a possui em alta quantidade.

Descartes, 1696-1650, filósofo francês, Discurso do Método  

Os grandes espíritos sempre encontraram a violenta oposição das mentes fracas.

Albert Einstein, 1879-1955, físico de origem alemã, em EinsteinQuotes.html, rescomp.stanford.edu, por Kevin Harris

Aquele que aprova uma opinião privada, chama-lhe opinião. Ou heresia, se não gosta dela: e no entanto a heresia não é mais do que uma opinião privada.

Thomas Hobbes, 1588-1679, filósofo inglês, Leviatã  

Devemos respeitar, em regra, a opinião dos outros de modo a evitar a fome e permanecer fora da prisão; mais, é submissão voluntária a uma tirania desnecessária.

Bertrand Russell, 1872-1970, filósofo e matemático inglês, The Conquest of Hapiness 

O senso comum é uma colecção de preconceitos adquiridos aos dezoitos anos.

Albert Einstein, 1879-1955, físico de origem alemã, citado em The Universe and Dr. Einstein, Lincoln Barnett

Amor Ao Saber ou à Mentira?

O homem ama trivialidades, banalidades e o senso comum

Segundo Aristóteles, somos uma espécie dotada com a sede do saber. «Todos os homens têm, por natureza, a paixão do conhecimento», considerou ele na sua Metafísica.
Só que também podemos ver a nossa curiosidade e ânsia de conhecimento, noutra perspectiva, bem menos exaltante, bem menos passional. O saber de que gostamos salda-se muitas vezes num saber prático e convencional. É o saber que alimenta a nossa capacidade de sobrevivência, e de relacionamento com os outros e com a vida. E é um saber que muitas vezes se confunde com o mito e o sonho.

Frequentemente andamos demasiado embrenhados com as nossas ideias, ilusões e fantasias. Ou com os nossos filhos e cônjuges, ou os afazeres profissionais, sem tempo ou vontade para espreitar pelos buracos que dão acesso ao outro lado da vida e a outros patamares de saber.
Para agravar as coisas, quando porventura olhamos através desses buracos, para o outro lado das nossas vidas e da realidade, o que vemos não nos agrada. Percebemos realidades incómodas - fraquezas, limitações, dores, ameaças, guerras, miséria…- ou realidades demasiado complexas e complicadas. E fugimos.

O mais das vezes preferimos o sonho e o mito - o mito de que somos fortes, de que somos retratos e filhos de Deus (em vez de descendentes de símios), de que estamos no centro do universo, de que o nosso país é o melhor do mundo. Ou o mito de que os homens têm amor ao saber...


Citações
Conhecimento e mito

O homem acredita sobretudo no que ele quer que seja verdade. Rejeita coisas difíceis por incapacidade de reflexão; coisas sensatas, porque vão contra os seus sonhos; as coisas mais profundas da natureza, por superstição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho; e aceita as coisas em princípio inaceitáveis, por respeito à opinião corrente.

Francis Bacon, 1561-1626, filósofo e político inglês, Novum Organon 

Na religião e na política as convicções são quase sempre obtidas em segunda-mão, e sem análise, de autoridades que não examinaram elas próprias as questões, que as tiraram em segunda mão de outros, cujas opiniões também não merecem o mínimo crédito.

Mark Twain, 1835-1919, escritor norte americano, Autobiografia

Os homens estão sempre prontos a considerar como verdadeiro aquilo que desejam que o seja.

Júlio César, 100-44 a.C., imperador romano, De Bello Gallico

Todos os homens ficam sujeitos a errar; e muitos homens, em muitos momentos, por paixão ou interesse, são tentados a fazê-lo.
John Locke, 1632-1704, filósofo inglês, Essay concerning the Human Understanding

As falsas opiniões parecem-se com a falsa moeda; inicialmente são cunhadas pelos grandes traficantes, mas depois são distribuídas por gente honesta, que perpetua inconscientemente o crime.
Joseph de Maistre, 1753-1821, escritor e filósofo francês, Les Soirées de Saint-Pétersbourg

A mentira para connosco mesmo revela a nossa aptidão para o desdobramento, visto que o Eu mentiroso consegue convencer-se da sua própria sinceridade.

E. Morin, sociólogo e filósofo francês, Método V

Amor, Perdão e Justiça: erros e faltas


Não apreciamos sobremaneira o perdão. Perante o infractor e o criminoso, a divisa «Olho por olho, dente por dente» é mais do nosso agrado do que o perdão. Na prática, a nossa justiça tem pouco a ver com o amor.
E isso, mesmo a nível dos tribunais, onde a imparcialidade dos juízes é obviamente maior. Os juízes não podem abrir demasiado o seu coração. Isso seria demasiado perturbador.
Um juiz não pode especular como Sponville o faz, a propósito das culpas do réu presente na barra do tribunal:

Se tivéssemos crescido como aquele pulha, e não nos tivéssemos tornado um pulha como ele, não teria isso a ver com o facto de sermos diferentes dele, apesar das semelhanças? Escolheu ele ser como é? E escolhemos nós não sermos como ele?

No fundo, a função dos tribunais não é aplicar a justiça no sentido mais nobre do termo, ou seja, não é aplicar a justiça com base no amor aos homens e ao mundo. Isso conduziria demasiadas vezes ao perdão, o que seria fatal à ordem social.

O que determina a dureza de muitas castigos não é tanto o grau de culpa do réu, mas sim a necessidade de ordem e de desincentivar o crime. Por outras palavras, citando Savile:

Não se manda matar ninguém por roubar cavalos, mas sim para que os cavalos não sejam roubados.
George Savile, 1633-1695, político e ensaísta inglês, Of Punishment

Em nome da manutenção da ordem social, há que castigar. A justiça oficial não pode ser baseada no amor e no perdão.
E no entanto há situações em que o amor é fundamental, sobretudo quando somos nós os juízes, e nos sentimos tentados a actuar segundo a divisa «Olho por olho, dente por dente» Com amor perdoamos. Sem amor os erros e pecados dos adversários transformam-se em crimes afrontosos. E daí podem nascer os nossos próprios crimes, e muitas loucas guerras.


Citações

Formas de ver a Justiça

Quantas coisas exigem a nossa piedade, a humanidade, a indulgência, a justiça e a fé, e não estão previstas na lei?

Que razão assiste ao homem bom para odiar os que pecam? Não é próprio do sábio odiar os que erram, pois que de outra maneira se odiaria a si próprio.

Não há ninguém que possa auto-absolver-se; aquele que se proclama absolutamente inocente perante os outros, não o é na sua consciência.

Séneca,  4 a.C.-65 d. C., filósofo romano, Da ira

A máxima do perdão é esta: se fores incapaz de amar quem te agrediu, cessa ao menos de odiar.

Todos os crimes merecem, claro está, ser tratados com misericórdia: todos fazemos o que podemos, e a vida é demasiado dura e demasiado cruel para condenarmos todas as nossas quedas.

A. Compte-Sponville, filósofo francês, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes

O perdão não é aplicável aos que se rebolam no contentamento da sua boa consciência, ou para os agressores que não estão arrependidos.

V. Jankélévich, 1903-1985, filósofo francês, Le pardon


Ainda hoje, numa sociedade de direito, o sentimento de justiça é vivido como vingança e castigo.

E. Morin, sociólogo e filósofo francês, Método V

Toda a punição é um prejuízo moral: toda a punição é em si um mal.

Jeremy Bentham, 1748-1832, filósofo inglês, Principles of Morals and Legislation 

Se enforcar a efígie de um homem produz a mesma salutar impressão de terror junto das mentes humanas, será loucura e crueldade enforcar o próprio homem.

Jeremy Bentham, 1748-1832, filósofo inglês, Works, Principles of Penal Law.

Os homens censuram a injustiça porque temem vir a ser suas vítimas, e não porque queiram evitar cometê-la.

Platão, 428-347 a.C., filósofo grego, A República.

Revolta, Ressentimento, Amor e Gratidão

Dentro de nós – pronto a revelar-se – vive a revolta e o ressentimento. Eles são a resposta à dor, aos inimigos, à crueldade da vida, às afrontas, à morte, às desilusões.
E isso pode cegar-nos. A revolta e a descrença não são bons companheiros, e conduzem-nos à ingratidão. Um coração cheio de fel, que não esquece as ofensas e as injustiças, é incapaz de fruir as alegrias que a vida contém, ou de reconhecer a mão amiga, um sorriso, um acto de justiça.
A ingratidão – associada à revolta e descrença - é um poço sem fundo, que envenena definitivamente a vida. É uma forma de loucura, nas palavras de Epicuro: «A vida dos loucos é vazia de gratidão, e cheia de ansiedade».
E é, por outro lado, uma expressão de falta de amor: é-se ingrato e revoltado, porque não amamos suficientemente os outros, a vida, projectos; ou porque não temos ou não valorizamos em grau suficiente as amizades ou o amor dos outros…
Como se diz, no Eclesiastes, só pela «medicina do amor nós nos tornamos felizes» (Eclesiastes). Só o amor faz nascer em nós a gratidão, só ele permite estabelecer laços de harmonia com a vida, e eliminar ressentimentos e fazer esquecer a crueldade do mundo.
Filósofos como Epicuro, realçaram o papel do amor – sobre a forma de amizade -, no combate que temos que manter contra as nossas tendências para o ressentimento e para a ingratidão. E realçaram também a necessidade de uma serena aceitação das agruras da vida, no quadro de uma filosofia muito antiga mas muito actual. Na falta de formas de amor que espontaneamente preencham a nossa vida e nos torne gratos, essa filosofia pode ser essencial.
Vale a pena reflectir nas palavras de um Epicuro (ou de um Séneca), a este propósito. Elas têm mais de dois mil anos, mas são intemporais:

Há que sarar as nossas feridas por via de uma atitude serena face ao passado e pelo reconhecimento de que é impossível desfazer o que está feito.
Epicuro, 341-270 a.C., filósofo grego, The Extant Remains

Infeliz será sempre quem assim se vê a si mesmo.
Tudo depende de como pensamos. (…) A infelicidade é directamente proporcional ao nosso convencimento de tal.
Que interessa a tua vida e o teu lugar no mundo, se à partida o detestas?
Porque coleccionas sofrimentos passados e te sentes infeliz hoje porque ontem o foste? (…) Quando os problemas acabam, manda a vida que fiquemos satisfeitos.
Os animais selvagens fogem aos perigos do momento, para logo, uma vez acabados, não mais se preocupam com eles. Nós, ao contrário, somos atormentados pelo que passou e pelo que está para vir.
As nossas faculdades ferem-nos, já que a memória das coisas nos traz a agonia do medo, e a nossa capacidade de antecipar traz desgraças de outra forma inexistentes. Ninguém é incapaz de confinar a sua infelicidade ao presente.
Séneca, filósofo e político romano, Letters to Lucilius

Amor e Humildade: a recusa da vaidade e do ódio

Todos estamos extremamente dependentes da sorte, todos estamos sujeitos à dor e à morte. Todos necessitamos de amor. Todos partilhamos as mesmas condições existenciais. Somos diferentes, mas também iguais. E entendê-lo no fundo da nossa alma, é tornarmo-nos humildes, e abandonar vaidades e orgulhos.
É por isso que Sponville afirma: «A humildade é a virtude do homem que sabe que não é Deus». É por isso que a humildade é uma virtude maior, e não uma virtude dos fracos e dos perdedores, como às vezes se pensa.

Ser-se humilde é não dar demasiada importância à nossa força, ao nosso poder, à nossa inteligência.
A inteligência não basta. É preciso humildade. Se Aristóteles – de cuja inteligência superior ninguém duvida - tivesse sido mais humilde, não teria produzido as afirmações que produziu sobre a mulher («As mulheres são limitadas por natureza». «A mulher é como se fosse um macho estéril»), nem teria defendido a escravatura («Há pouca diferença entre usar escravos e usar animais domesticados: ambos dão ajuda física na realização dos trabalhos»).
Aristóteles não revelou a humildade, que outros no seu tempo ou alguns anos depois dele revelaram:

Não será que esse que qualificas de escravo nasceu das mesmas sementes e goza do mesmo céu que tu; e não será que ele, como tu, respira, vive, morre, e que nele podes ver o senhor e em ti o servo?
Séneca
És meu parente porque participas da mesma inteligência e destino divino
Marco Aurélio

Odiar os outros é falta de humildade:

Não é próprio do homem de senso odiar os que erram, pois de outra maneira todo o homem se odiaria a si mesmo. Não há ninguém que se possa absolver a si mesmo, e se alguém se proclama absolutamente inocente diante dos outros, não é assim na sua consciência
Séneca

Mais ainda: a falta de humildade é fonte de guerras e de actos criminosos. A falta de humildade leva a que o adversário seja visto como inumano e inimigo, e se proclame o direito à vingança.
No fundo, a vida acaba por ser uma longa lição sobre humildade. Mas é com dificuldade, e normalmente demasiado tarde, que o percebemos.

Amor, Ódio, Vontade, Razão

O amor não depende da nossa vontade, e esse é o seu maior mistério. Não está no âmbito dos nossos poderes humanos amar alguém a pedido, ou por ordem.
Compte-Sponville

As palavras acima, de um dos grandes filósofos contemporâneos, merecem à partida a nossa concordância.
Mas há outra perspectiva, diferente, de ver o amor. Uma perspectiva em que o amor deve depender da razão, para nosso bem, e para bem do próprio amor.
O amor e o ódio associam-se, muitas vezes. O amor intenso a certas causas alimenta o ódio àquilo e àqueles que se opõem. O ódio que move corações e multidões mundo fora, o ódio presente nas manifestações de rua, nas pedras, nas ameaças que saem de mil bocas enfurecidas – com legitimidade ou sem ela, não interessa para o caso – é paralelamente uma forma de amor ao Deus, à pátria, à causa, às ideias que se defendem…

O amor pode de facto ser extremamente agressivo e negativo. O amor que não é esclarecido e informado, onde não há reflexão, humildade, tolerância, o amor que é acompanhado por concepções em que os adversários são encarados como seres demoníacos, o amor que dá voz a instintos genéticos, o amor que é espontâneo, animal, independente da nossa vontade, passional, é – ou pode ser em muitos casos - particularmente perigoso.
Não devemos enaltecer o carácter espontâneo, natural, do amor. Os amores espontâneos, independentes da nossa razão, podem na realidade ser tremendos pesadelos.


Esses amores podem ter uma base genética, espontânea, natural, mas isso não os torna uma realidade positiva. Há que contrariá-los por via de valores e da nossa consciência e inteligência - por outras palavras, da nossa razão. Ou seja: ao contrário do que se costuma dizer, o amor não é, ou não deve ser, em muitos casos, independente da razão.

Amor e Tolerância: crimes e guerras

A tolerância é inseparável do amor: perdoamos facilmente os erros e os pecados daqueles que amamos; dificilmente perdoamos àqueles que não amamos. O nosso amor faz-nos ser tolerantes, a falta dele intolerantes…

Mas a tolerância não se liga só ao amor. Ela está dependente da informação. Só quem se conhece a sim mesmo, e tem uma visão moderna da natureza humana, pode ser tolerante. Quando as nossas razões são empoladas, quando os nossos maus humores são levados muito a sério, quando não se reconhece a relatividade das nossas ideias, quando nos julgamos superiores aos outros, ou com um cultura, ou com um Deus, ou com predicados superiores, tornamo-nos intolerantes, e a intolerância torna-se causa de conflitos e guerras.
É o que proclamam filósofos como Séneca ou Voltaire:

Seremos mais comedidos se observarmos o nosso interior, se nos interrogarmos assim: não fiz eu algo de semelhante? Também não pequei? Posso condenar estas culpas?

Séneca,  4 a.C.-65 d. C., filósofo romano, Da Ira

Devemos tolerar-nos mutuamente, porque somos todos fracos, inconsequentes, sujeitos a humores e ao erro. Acaso uma cana que o vento deitou à lama diz à cana vizinha, virada ao contrário: 'Rasteja como eu, miserável, ou apresento queixa para que sejas arrancada e queimada'?

A tolerância é o apanágio da humanidade. Todos somos feitos de fraquezas e de erros; perdoar uns aos outros as nossas tolices, eis a primeira lei da natureza.

Voltaire, 1694-1778, escritor e filósofo francês, Dicionário filosófico

A tolerância liga-se também muito às nossas ideias (ao amor às nossas ideias). Levados por certas ideias de Deus, de verdade, de bem, cometemos os piores males e assassínios. Tornamo-nos fanáticos e cegos, como mostram múltiplas revoluções no passado: a francesa, a soviética, a nazi… É o que diz François Jacob:

A história mostra bem que não há nada tão perigoso, tão assassino, como as ideologias, os fanatismos, as certezas de ter razão.
Todos os grandes crimes da história são consequência de algum fanatismo. Todos os grandes massacres foram perpetrados por virtude, em nome do nacionalismo legítimo, da religião verdadeira, da ideologia justa.

F. Jacob, 1920, biólogo francês, The Statue Within

Amor e Humildade: A Recusa da Vaidade e do Ódio


Todos estamos extremamente dependentes da sorte, todos estamos sujeitos à dor e à morte. Todos necessitamos de amor. Todos partilhamos as mesmas condições existenciais. Somos diferentes, mas também iguais. E entendê-lo no fundo da nossa alma, é tornarmo-nos humildes, e abandonar vaidades e orgulhos.
É por isso que Sponville afirma: «A humildade é a virtude do homem que sabe que não é Deus». É por isso que a humildade é uma virtude maior, e não uma virtude dos fracos e dos perdedores, como às vezes se pensa.

Ser-se humilde é não dar demasiada importância à nossa força, ao nosso poder, à nossa inteligência.


A inteligência não basta. É preciso humildade. Se Aristóteles – de cuja inteligência superior ninguém duvida - tivesse sido mais humilde, não teria produzido as afirmações que produziu sobre a mulher («As mulheres são limitadas por natureza». «A mulher é como se fosse um macho estéril»), nem teria defendido a escravatura («Há pouca diferença entre usar escravos e usar animais domesticados: ambos dão ajuda física na realização dos trabalhos»).

Aristóteles não revelou a humildade, que outros no seu tempo ou alguns anos depois dele revelaram:

Não será que esse que qualificas de escravo nasceu das mesmas sementes e goza do mesmo céu que tu; e não será que ele, como tu, respira, vive, morre, e que nele podes ver o senhor e em ti o servo?

Séneca
És meu parente porque participas da mesma inteligência e destino divino

Marco Aurélio

Odiar os outros é falta de humildade:

Não é próprio do homem de senso odiar os que erram, pois de outra maneira todo o homem se odiaria a si mesmo. Não há ninguém que se possa absolver a si mesmo, e se alguém se proclama absolutamente inocente diante dos outros, não é assim na sua consciência

Séneca

Mais ainda: a falta de humildade é fonte de guerras e de atos criminosos. A falta de humildade leva a que o adversário seja visto como inumano e inimigo, e se proclame o direito à vingança.
No fundo, a vida acaba por ser uma longa lição sobre humildade. Mas é com dificuldade, e normalmente demasiado tarde, que o percebemos.

Por que amar dói

Por que amar dói tanto, se é o amor fonte de alegria e de felicidade?

Quando sonhamos com o amor, não sonhamos com tristezas, menos ainda com dor. Sonhamos com beijos, noites enluaradas e momentos a dois. Sonhamos com felicidade eterna e sem defeitos.

Mas quando o amor chega, ele nos desnuda. E quanto mais se apossa de nós, mais nos desnudamos. Nos tornamos expostos, à mercê do outro, que toma pra si nossas vontades. Nos tornamos transparentes.

Não se esconde de ninguém olhos amorosos. O amor transparece em nós como se estivesse escrito em grandes letras e todas as línguas. Daí nossa fragilidade diante de um sentimento tão grande.

A outra pessoa fica dona do nosso sorriso, ela controla nossa tristeza. Não conscientemente. Somos nós que, segundo palavras ou gestos, reagimos assim. E o amor dói em nós profundamente.

Mesmo no auge da felicidade, ele dói ainda. Dói de saudade, de medo de perder.

Deveria não ser assim. Deveria ser felicidade sem fim, sem altos e baixos. Sem lágrima derramada. Mas... teria o mesmo gosto? Seria o amor tão maravilhoso se não houvesse essa possibilidade de perda que faz com que nos agarraremos a ele com mais intensidade ainda?

Amar dói e é perfeito que seja assim. As rosas têm espinhos e é exatamente esse contraste que fascina tanto.

E eu posso ainda espetar o dedo e até sangrar. Mas jamais deixarei de amar uma rosa!

Posso ainda estar desnuda de mim, sentir frio ou calor, mas ainda assim vou me entregar ao sentimento quando ele me acenar.

Posso ainda chorar ou sorrir, querer morrer ou querer viver, mas esse caminho não quero evitar.

Não evitarei minhas dores, porque um minuto de felicidade a dois cobre (e com juros!!!) todas as dores do mundo!...

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Elimine o que faz mal a você de sua vida

 

O primeiro passo para uma vida emocional saudável é saber detectar o que nos faz mal: emoções, pessoas, lugares, comidas, objetos, músicas, hábitos.

Feito isso, estaremos aptos a eliminar o que nos atrapalha. São tantas as emoções, lugares, objetos, roupas, pessoas que não nos servem!!!!
Para quê continuarmos com elas???

Em se tratando de pessoas, talvez devido a nossa moral social, nos
sentimos intolerantes, grosseiros e imperfeitos quando sentimos desejo de deletá-las de nossas vidas. Mas será que isso é verdade?

Se uma pessoa está nos fazendo mal, seja lá por que motivo for, por
que temos a obrigação de continuarmos ao lado dela??? Principalmente se for uma pessoa que já conversamos inúmeras vezes e nunca fomos compreendidos?

Quando jogamos fora o que não nos serve, abrimos espaço para o novo e deixamos de desperdiçar energia com algo que não nos leva a lugar nenhum.

Quer um exemplo? Se jogarmos fora objetos que não usamos, estaremos abrindo espaço para novos objetos que podemos adorar. Se doarmos roupas antigas, que não usamos, estaremos construindo a oportunidade de adquirirmos novas roupas que nos trarão mais satisfação.

Se limparmos nossos afetos negativos, como a raiva, o medo, o ciúmes, estaremos abrindo caminho para o amor e a alegria. E, se eliminarmos uma pessoa que só nos aborrece de nossas vidas, seja um parceiro amoroso ou um amigo, estaremos abertos para que uma nova pessoa se aproxime.

Nós desperdiçamos muita energia com o que não precisamos. Passamos anos ao lado de pessoas que nada nos acrescenta e só nos chateia - muitas vezes por carência ou medo de ficarmos sozinho. Guardamos caixas com objetos que jamais usaremos, guardamos mágoas que não servem para nada.

Como poderemos ver flores em nossos jardins (materiais e espirituais) se eles geralmente estão lotados de entulhos????

Um beija-flor não se aproxima de lugares escuros, cheios de lixo, sem vida, alegria e água. Nem as borboletas! Se quisermos que nossos jardins sejam visitado por ilustres convidados, temos que limpá-lo com freqüência.

Pessoas que nos chateiam com freqüência, objetos inutilizados, roupas não usadas, emoções negativas cultivadas, papéis velhos debaixo das camas... Tudo isso nos rouba energia.

Uma pessoa que exige de você um esforço imenso para se fazer compreender, que ao invés de ajudar você a progredir só indica suas falhas, deve realmente estar ao seu lado?

Não se trata de intolerância! Trata-se, simplesmente, de escolher com o que e com quem queremos gastar nossa energia.

Você está há meses namorando uma pessoa que faz com que você se sinta péssima? Para quê ficar ao seu lado? Ficou com uma pessoa que sumiu? Para quê mandar recadinhos, conferir o e-mail um milhão de vezes a espera de uma resposta, falar constantemente nesse assunto com os amigos, buscar respostas para a atiutude dos outros??

Você tem coisas guardadas no seu armário que não coloca as mãos há séculos???? Para quê guardá-las? Você detesta música brasileira, mas seus amigos amam... Para quê freqüentar todos os fins de semana um bar com música ao vivo?

Você já parou para ser perguntar se suas atitudes são verdadeiras e
atendem suas necessidades, ou, se são apenas uma forma de ser
politicamente correto e não desagradar os outros?!!! Por que não
podemos desagradar os outros, mas podemos desagradar a nós mesmos??????

Se respeitar, não é, de forma alguma, desrespeitar o outro, pois só
conseguiremos respeitar o próximo quando nos respeitarmos. E quando nos respeitamos e deixamos claro o que gostamos e o que não gostamos, somos autênticos e à medida que somos autênticos, construímos relações mais sinceras e saudáveis...Canalizamos nossa energia para caminhos, pessoas e objetivos positivos e essa canalização, certamente nos deixa mais bonitos, mais felizes e mais realizados. E beleza, atrai beleza.

Deseja receber visitas coloridas em seu jardim????

Tire, já, todos os entulhos que nele estiver presente e boa sorte.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Amor, Ódio, Vontade, Razão

O amor não depende da nossa vontade, e esse é o seu maior mistério. Não está no âmbito dos nossos poderes humanos amar alguém a pedido, ou por ordem.
[Compte-Sponville]

As palavras acima, de um dos grandes filósofos contemporâneos, merecem à partida a nossa concordância.
Mas há outra perspectiva, diferente, de ver o amor. Uma perspectiva em que o amor deve depender da razão, para nosso bem, e para bem do próprio amor.
O amor e o ódio associam-se, muitas vezes. O amor intenso a certas causas alimenta o ódio àquilo e àqueles que se opõem. O ódio que move corações e multidões mundo fora, o ódio presente nas manifestações de rua, nas pedras, nas ameaças que saem de mil bocas enfurecidas – com legitimidade ou sem ela, não interessa para o caso – é paralelamente uma forma de amor ao Deus, à pátria, à causa, às ideias que se defendem…

O amor pode de fato ser extremamente agressivo e negativo. O amor que não é esclarecido e informado, onde não há reflexão, humildade, tolerância, o amor que é acompanhado por concepções em que os adversários são encarados como seres demoníacos, o amor que dá voz a instintos genéticos, o amor que é espontâneo, animal, independente da nossa vontade, passional, é – ou pode ser em muitos casos - particularmente perigoso.
Não devemos enaltecer o caráter espontâneo, natural, do amor. Os amores espontâneos, independentes da nossa razão, podem na realidade ser tremendos pesadelos.
Esses amores podem ter uma base genética, espontânea, natural, mas isso não os torna uma realidade positiva. Há que contrariá-los por via de valores e da nossa consciência e inteligência - por outras palavras, da nossa razão. Ou seja: ao contrário do que se costuma dizer, o amor não é, ou não deve ser, em muitos casos, independente da razão.

Revolta, Ressentimento, Amor e Gratidão


Dentro de nós – pronto a revelar-se – vive a revolta e o ressentimento. Eles são a resposta à dor, aos inimigos, à crueldade da vida, às afrontas, à morte, às desilusões.
E isso pode cegar-nos. A revolta e a descrença não são bons companheiros, e conduzem-nos à ingratidão. Um coração cheio de fel, que não esquece as ofensas e as injustiças, é incapaz de fruir as alegrias que a vida contém, ou de reconhecer a mão amiga, um sorriso, um acto de justiça.
A ingratidão – associada à revolta e descrença - é um poço sem fundo, que envenena definitivamente a vida. É uma forma de loucura, nas palavras de Epicuro: «A vida dos loucos é vazia de gratidão, e cheia de ansiedade».
E é, por outro lado, uma expressão de falta de amor: é-se ingrato e revoltado, porque não amamos suficientemente os outros, a vida, projetos; ou porque não temos ou não valorizamos em grau suficiente as amizades ou o amor dos outros…
Como se diz, no Eclesiastes, só pela «medicina do amor nós nos tornamos felizes» (Eclesiastes).

Só o amor faz nascer em nós a gratidão, só ele permite estabelecer laços de harmonia com a vida, e eliminar ressentimentos e fazer esquecer a crueldade do mundo.


Filósofos como Epicuro, realçaram o papel do amor – sobre a forma de amizade -, no combate que temos que manter contra as nossas tendências para o ressentimento e para a ingratidão. E realçaram também a necessidade de uma serena aceitação das agruras da vida, no quadro de uma filosofia muito antiga mas muito actual. Na falta de formas de amor que espontaneamente preencham a nossa vida e nos torne gratos, essa filosofia pode ser essencial.
Vale a pena reflectir nas palavras de um Epicuro (ou de um Séneca), a este propósito. Elas têm mais de dois mil anos, mas são intemporais:

Há que sarar as nossas feridas por via de uma atitude serena face ao passado e pelo reconhecimento de que é impossível desfazer o que está feito.
Epicuro, 341-270 a.C., filósofo grego, The Extant Remains

Infeliz será sempre quem assim se vê a si mesmo.
Tudo depende de como pensamos. (…) A infelicidade é diretamente proporcional ao nosso convencimento de tal.
Que interessa a tua vida e o teu lugar no mundo, se à partida o detestas?
Porque colecionas sofrimentos passados e te sentes infeliz hoje porque ontem o foste? (…) Quando os problemas acabam, manda a vida que fiquemos satisfeitos.
Os animais selvagens fogem aos perigos do momento, para logo, uma vez acabados, não mais se preocupam com eles. Nós, ao contrário, somos atormentados pelo que passou e pelo que está para vir.
As nossas faculdades ferem-nos, já que a memória das coisas nos traz a agonia do medo, e a nossa capacidade de antecipar traz desgraças de outra forma inexistentes. Ninguém é incapaz de confinar a sua infelicidade ao presente.

Séneca, filósofo e político romano, Letters to Lucilius

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Doenças de Amor

Eu sempre fui da opinião de que todo ser humano deveria passar por caminhos que levam ao autoconhecimento desde a tenra idade, e em casos bem visíveis logo muito cedo, acompanhamento psicológico adequado (pago pelo SUS), inclusive os psicólogos, afinal ser psicólogo não os exime de problemas.

Por que estou começando assim? Porque vou falar de doenças da cabeça, do comportamento e das neuroses que destroem os relacionamentos, e que todos nós temos nossa parcela de culpa.

Veja o caso do rapaz apaixonado pela menina ciumenta, que morre de ciúmes até do vento que sopra na lateral do cara, ou do menino que sente o mundo desabar por que a namorada conversa com outros rapazes. No início do relacionamento é até normal um certo ciumezinho, é gostoso e saudável, mas passado seis meses,um,dois ou mais anos, já virou doença, e se a pessoa aceita esse ciúme, acreditando que um dia vai mudar, está sendo conivente e, acaba colaborando para que o doente não sare nunca, ou pior, piore cada vez mais.

É o caso dos barraqueiros(as), aquelas pessoas que em nome do "amor" armam os maiores "barracos" em nome da cegueira, da incompreensão, do falso amor, porque as pessoas que agem às cegas são as "possuidoras", e isso não é caso de amor, é posse. A pessoa sente que está perdendo a posse do seu objeto preferido, e aí “escurece tudo...”

Doenças do amor, bonito né? Em nome do "amor", vamos destruindo vidas, aceitando absurdos... tudo porque "estamos apaixonados", ou acreditamos nisso, e fechamos os olhos para a realidade.
Às pessoas que assistem de fora, ficam pasmos, dão conselhos, alertam, mas a pessoa não aceita, não concorda, ficou cega, ficou "empacada".

Gente, minha gente, lugar de doente é no médico. Lugar de fobias e medos é com um terapeuta, e pessoas com "mania de perseguição", violentos e com outras manias mais "perigosas", é com os profissionais da psiquiatria... não tem escape.

Lembre-se de que, muitas vezes, nós precisamos de injeções doloridas para curar algumas doenças, e isso, não significa desamor por parte de quem nos encaminhou ao médico nem significa que esse médico gosta do nosso sofrimento, pelo contrário, mostra o quanto ele quer o nosso bem.

Se você vive uma dessas situações de ciúmes doentios, sentimentos de posse excessivos, procure ajuda terapêutica, encaminhe a pessoa que você gosta a um profissional, pare de alimentar a doença, se preciso for, corte o relacionamento. Tenha coragem de fazer o bem, mas nem sempre fazer o bem é dizer sim, por isso é difícil fazer a caridade verdadeira, pois ela muitas vezes significa dizer não.

Sabe, eu tenho uma amiga, oh coitada!, ela tem um relacionamento de mais de 15 anos, onde o cara só falta pedir para ela trocar a cuequinha dele, passar talquinho, e ela faz... faz tudo pro bilú... bilú da mamãe...
Você está rindo? Está cheio de gente assim por aí, gente que confundiu amor com sentimentos maternais ou paternais... e, depois, não quer sofrer...

Gente, cuidado com os/as malucos de plantão, às vezes são engraçados no início, começam dizendo que você é a mulher da vida dele, te enche de scraps/e-mails lindos, te enche de beijos, começa dando leves beliscões no braço, depois começam a marcar o local, e no fim, acabam surrando, quando não assassinando... Tudo em nome do "amor". Pense nisso, e ame-se, pois só quem se ama de verdade está livre desses doentes...

Só ama verdadeiramente alguém quem se ama primeiro...

[Graça Azevedo / Senhora Telucama - Suma Sacerdotisa do Templo Casa Telucama]


"O universo é meu caminho; o amor, a minha lei; a paz, o meu abrigo. A experiência, a minha escola; a dificuldade, o meu estímulo, o obstáculo, a minha lição; a Sabedoria, meu objetivo; a compreensão, minha benção; o equilíbrio, minha atitude; a perfeição, minha meta; a plenitude, meu destino."

domingo, 16 de novembro de 2008

Objetos do Amor

Amar Pessoas, Deus, a Arte, o Poder, o Dinheiro, as Ideias e mais o quê?

No centro do amor está o amor às pessoas que amamos. Mas o amor não se pode limitar a tal. O amor penetra e está presente em todos as dimensões e passos da nossa vida, porventura de forma escondida e pouco clara. Existem tantos amores quantos grandes interesses: a música, Deus, certos trabalhos, o poder, o dinheiro, certas ideias, são objecto dos nossos amores…
Podemos defender que o mais importante é o amor às pessoas. Que essa é que é a peça central do amor, e que tudo o mais são extensões, ou perversões (o amor ao dinheiro, por exemplo). E muitas vezes assim é.
E no entanto, é impossível limitarmos os nossos amores às pessoas. O amor é algo muito mais vasto, que penetra em todas as dimensões da nossa vida, ligando-se ao prazer que retiramos da vida, e aos nossos objetivos e interesses.
Não podemos deixar de amar certas formas de arte, ou certas ideias, ou Deus… A nossa vida (e os amores que a preenchem) não se limita às relações com os seres humanos, por muito central e importante que essa dimensão seja. Necessitamos também de amar projetos, coisas, outros seres, ideias… Faz parte da nossa natureza, dos sentimentos que nos unem ao mundo, e que dão sentido à nossa vida.

O que é o Amor: uma Hidra com mil cabeças

Como a hidra do mito grego, o amor assume muitas formas – bastantes mais do que as nove cabeças atribuídas à hidra do lago Lerna. Não há apenas o amor parental especialmente visado na Carta aos Coríntios (O amor é paciente, o amor é prestável, não é invejoso…)

Há também o amor passional, cantado por Shakespeare:

O amor é uma fumarada de suspiros; liberto, é uma chama que brilha nos olhos dos enamorados; prisioneiro, é um mar que alimenta as suas lágrimas.

E há o amor à sociedade, aos animais, e à arte. E o amor a Deus e a ideias (algumas loucas). E o amor ao poder, ou ao dinheiro, ou à crueldade. É. Algumas formas de amor são declaradamente perversões (o amor ao dinheiro, por exemplo) ou monstruosidades (o amor sádico, de alguns carrascos e psicopatas).

O amor pode de fato envolver características de uma hidra monstruosa, no sentido mais literal do termo, o que em certa perspectiva justificaria uma iniciativa como a de Hércules, a uma Amione distante.

Só que essa tentativa nunca teria o êxito conseguido por Hércules. No caso do amor, o Monstro e a Bela confundem-se (como na história da Bela e o Monstro). A fonte de onde brota os amores monstruosos e pervertidos é a mesma que alimenta os amores grandiosos.

O amor pode inclusivamente ser fonte de ódio: ao se amar uma certa ideia de Deus, ou de Pátria, ou uma certa mulher, ou uma certa coisa, pode odiar-se tudo aquilo que resiste e se opõe a esse amor… É. O amor pode ser fonte de ódio. Contraditoriamente. Alguns dos nossos maiores amores envolvem também ódios profundos.

sábado, 15 de novembro de 2008

Mulheres que Amam Demais

Em um tempo onde o desamor deflagra guerras, exclusões e solidão; onde muitas vezes é fato gerador de conflitos, traumas e violência e onde é preocupante e necessário o trabalho de profissionais, educadores e famílias no sentido de motivar valores, dentre eles AMOR; como pré-condição de respeito, crescimento e humanização, me vejo agora falando de um grupo, que tive o prazer de conhecer - Grupo Mada (Mulheres que amam demais anônimas).
E incluem-se aí mulheres que amam demais os filhos, a família, o parceiro sentimento no qual chamamos de dependência de pessoas. Mulheres que ultrapassam os próprios limites por amor, por excesso de amor; e que por ultrapassarem, por se excederem, perdem a noção do comportamento que desenvolvem na relação, elas retificam-se, redimem-se, mas reincidem nestes comportamentos. E este círculo vicioso acaba levando-as a comportamentos auto-destrutivos e a sintomas de doenças.

chor

O ser humano necessita de uma identidade, onde o mais importante não é o que "ele é", mas "quem ele é". Ele precisa saber o que sente, porque sofre, o que lhe faz bem, o que é melhor para ele. A partir daí, sendo consciente de suas potencialidades e fraquezas, se comunica melhor com o outro. Porque é o "outro" da relação que lhe confere a identidade. Nesta comunicação mais verdadeira e inteira, está a possibilidade do amor, que é a disponibilidade de um em relação ao outro, cada envolvido abrindo mão do próprio egoísmo. Mas isso talvez fosse o ideal e muitas vezes é difícil até se aproximar do ideal.
Quase todos procuram realizar o que seria ideal, mas muitos sentem dúvidas e é inevitável que as coisas aconteçam freqüentemente de modo diferente do que esperavam. A partir daí surgem perguntas como:
Será que ele vai demorar? Ele pode gostar de mulheres mais bonitas?Ele não gosta mais de mim? Por que prefere tudo e todos a ficar comigo?
São freqüentes questionamentos a que estão submetidas as "madas" pelo mundo afora, e olhe que elas são muitas e em crescimento. A estes questionamentos somam-se sentimentos de ciúmes, dor, medo, aflição, frustração.
De certa forma incapazes de demonstrar suas emoções de outra maneira, as "madas" desenvolvem comportamentos e atitudes de perseguições constantes, vigilância, superproteção e até agressividade. Isto mesmo. Feridas até a alma no seu amor, agridem o objeto deste amor.
É complexo, mas é rotineiro. Muito positivo o esclarecimento que irá refletir em busca de soluções para milhares de pessoas. Melhor ainda quando tantas mulheres, sufocadas pelo próprio sentimento, se percebem em outras, com histórias semelhantes, com medos e dores, mas também esperanças. É esta esperança que as motiva a buscar o grupo, a persistir no grupo e a trazer novas pessoas. Fortalecendo o crescimento pessoal.
Como participante em reuniões de AA. NA. e MADA, pude constatar a importância da freqüência ao grupos de apoio para dinamização da partilha, do encontro, do reconhecimento, da coragem e da cura.
Deixar de lado a maneira como colocam a própria felicidade na mão do outro, modificar padrões, assumir que até então eram fracas diante da relação, acreditar que podem fazer juntas o que não conseguiram sozinhas são fatores de motivação para freqüência aos grupos.
Como psicanalista, acho muito importante o grupo Mada, uma vez que são constantes em consultório, queixas de mulheres que sufocadas pelo amor que dizem sentir, se anulam vivem pelo "outro" e não "com o outro", impedem os filhos de crescerem, não estabelecem metas nem objetivos pessoais, não realizam atividades sem a presença do parceiro, diminuem o convívio sócio-familiar, sentem ciúmes exagerados e medo constante de perder seu objeto de amor. Não crescem, pelo menos não como poderiam, afetiva nem profissionalmente. E depois de tanta dedicação, ao menor indício de falha ou falência do relacionamento estabelecido, se anulam mais, ficam deprimidas, inseguras e sentem–se injustiçads . Nutrem sentimentos de amor e ódio. Por terem doado tanto, queriam muito também. Precisam da segurança e da fidelidade como do ar que respiram.
Precisam do amor. Mas do dar e do receber! Entre os extremos do desamor e do excesso do amor existe o equilíbrio. Tem-se como buscá-lo. É possível encontrá-lo. Existem caminhos!
Que estas mulheres continuem anônimas e respeitadas nas suas profissões, seus endereços, nomes e parentescos. Mas que suas dores se revelem, para que deixem de doer!

 

Bibliografia sugerida:- Mulheres que Amam Demais- Mulheres vencedoras - De Mariazinha a Maria- Mulheres boas vão para o céu, as más vão para a luta- Adeus Bela Adormecida.- Mentiras que os homens contam.

[Vânia Fortuna - Psicanalista]