sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Mentir em Nome do Amor e da Sabedoria

 

Kant, o grande filósofo alemão do século XVIII, era um adepto indefectível da razão. A razão dignifica-nos, eleva-nos, transforma-nos em seres superiores. Nesse âmbito, Kant concebeu os chamados «imperativos categóricos», do tipo «Não mintas, em ocasião alguma», a que deveríamos obedecer piamente.
Kant não admitia excepções aos seus imperativos, fixados por via racional. Só assim eles eram categóricos.

Mas será que amar a verdade, é nunca atraiçoá-la, é nunca mentir? Será que a verdade deve ser encarada como um postulado científico, inquebrável?
Kant achava que sim. Em nome de quê? Em nome da dignidade humana, em nome da razão. Para ele o imperativo categórico da verdade era inquestionável, ainda que isso beneficiasse quem não merecesse e prejudicasse os fracos e pobres, e causasse sofrimento.
Mas será mesmo assim? Será que não é legítimo mentir a criminosos e a ditadores que perseguem e atormentam inocentes? Será que devemos revelar ao moribundo a verdade da sua situação?
A resposta humanista tem que ser não. A verdade que causa sofrimento desnecessário ao moribundo ou a pessoas violentadas, é crueldade. Não mentir ao assassino e ao terrorista que sequestra, é colaboracionismo cruel e tolo. Os «imperativos categóricos» podem e devem ser quebrados, em determinadas situações. A verdade não pode estar sempre acima do amor que devemos aos outros.
Há muitos casos em que a verdade tem que ser defendida a tudo o custo, ainda que isso nos cause lágrimas, desgosto e até sofrimento. Não podemos, por exemplo, negar a verdade científica para conforto próprio. Não podemos teimar em ver-nos como seres especiais, criados à imagem de Deus, em vez de seres descendentes de símios.
Mas essa não é uma regra absoluta. Também há ocasiões e situações em que a mentira é legítima, em que certas verdades factuais podem e devem ser omitidas em nome do amor.

Citações
Verdade e mentira

Mentir a um polícia nazi que nos pergunta se escondemos um resistente em nossa casa, não é mentir, é dizer a verdade.

V. Jankélévitch, 1903-1985, ensaista francês, Traité dés vertus

A verdade é, frequentemente, uma arma de agressão terrível. É possível mentir e até matar com a verdade.

Alfred Adler, 1870-1937, psiquiatra austríaco, The problem of neurosis

Malditos sejam aqueles que colocam abaixo do amor a verdade criminosa da informação! Malditos sejam os brutos que falam sempre a verdade! Malditos sejam aqueles que nunca mentiram!

V. Jankélévitch, 1903-1985, ensaista francês, Traité des vertus

Alguém que diz a uma pessoa que está a morrer que ele vai morrer, mente: primeiro, literalmente, porque ele, muito simplesmente não sabe o que só Deus pode saber, e depois porque ninguém tem o direito de dizer a outro que ele vai morrer.

V. Jankélévitch, 1903-1985, ensaista francês, Traité des vertus

As pessoas pobres e abandonadas não devem ser sujeitas ao sofrimento. Isso é mais importante do que tudo o mais, incluindo a verdade.

V. Jankélévitch, 1903-1985, ensaista francês, Traité des vertus

É melhor mentir do que torturar, melhor mentir que aterrorizar. A verdade não pode tomar o lugar de tudo.

A. Compte-Sponville, filósofo francês, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes

Nem tudo deve ser dito, já que tal seria loucura; mas tudo aquilo que se diz, deve corresponder ao que pensamos; de outra forma seria desonesto.
Montaigne, 1533-1592, Filósofo francês, Essays

Não podemos legitimamente mentir a nós mesmos, porque fazê-lo é valorizarmo-nos mais do que à verdade, valorizar mais o nosso conforto e a nossa boa consciência do que o nosso espírito.
A. Comte-Sponville, Filósofo Francês, Pequeno Tratado sobre as Grandes Virtudes

É o homem que torna grande a verdade.
Confúcio, 551-479 a. C., filósofo chinês, Analectos.

São precisos dois para dizer a verdade - um para falar, outro para ouvir.
Henry D. Thoreau, 1817-1862, ensaísta americano, A Week on the Concord and Merrimack Rivers

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