Não apreciamos sobremaneira o perdão. Perante o infractor e o criminoso, a divisa «Olho por olho, dente por dente» é mais do nosso agrado do que o perdão. Na prática, a nossa justiça tem pouco a ver com o amor.
E isso, mesmo a nível dos tribunais, onde a imparcialidade dos juízes é obviamente maior. Os juízes não podem abrir demasiado o seu coração. Isso seria demasiado perturbador.
Um juiz não pode especular como Sponville o faz, a propósito das culpas do réu presente na barra do tribunal:
Se tivéssemos crescido como aquele pulha, e não nos tivéssemos tornado um pulha como ele, não teria isso a ver com o facto de sermos diferentes dele, apesar das semelhanças? Escolheu ele ser como é? E escolhemos nós não sermos como ele?
No fundo, a função dos tribunais não é aplicar a justiça no sentido mais nobre do termo, ou seja, não é aplicar a justiça com base no amor aos homens e ao mundo. Isso conduziria demasiadas vezes ao perdão, o que seria fatal à ordem social.
O que determina a dureza de muitas castigos não é tanto o grau de culpa do réu, mas sim a necessidade de ordem e de desincentivar o crime. Por outras palavras, citando Savile:
Não se manda matar ninguém por roubar cavalos, mas sim para que os cavalos não sejam roubados.
George Savile, 1633-1695, político e ensaísta inglês, Of Punishment
Em nome da manutenção da ordem social, há que castigar. A justiça oficial não pode ser baseada no amor e no perdão.
E no entanto há situações em que o amor é fundamental, sobretudo quando somos nós os juízes, e nos sentimos tentados a actuar segundo a divisa «Olho por olho, dente por dente» Com amor perdoamos. Sem amor os erros e pecados dos adversários transformam-se em crimes afrontosos. E daí podem nascer os nossos próprios crimes, e muitas loucas guerras.
Citações
Formas de ver a Justiça
Quantas coisas exigem a nossa piedade, a humanidade, a indulgência, a justiça e a fé, e não estão previstas na lei?
Que razão assiste ao homem bom para odiar os que pecam? Não é próprio do sábio odiar os que erram, pois que de outra maneira se odiaria a si próprio.
Não há ninguém que possa auto-absolver-se; aquele que se proclama absolutamente inocente perante os outros, não o é na sua consciência.
Séneca, 4 a.C.-65 d. C., filósofo romano, Da ira
A máxima do perdão é esta: se fores incapaz de amar quem te agrediu, cessa ao menos de odiar.
Todos os crimes merecem, claro está, ser tratados com misericórdia: todos fazemos o que podemos, e a vida é demasiado dura e demasiado cruel para condenarmos todas as nossas quedas.
A. Compte-Sponville, filósofo francês, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes
O perdão não é aplicável aos que se rebolam no contentamento da sua boa consciência, ou para os agressores que não estão arrependidos.
V. Jankélévich, 1903-1985, filósofo francês, Le pardon
Ainda hoje, numa sociedade de direito, o sentimento de justiça é vivido como vingança e castigo.
E. Morin, sociólogo e filósofo francês, Método V
Toda a punição é um prejuízo moral: toda a punição é em si um mal.
Jeremy Bentham, 1748-1832, filósofo inglês, Principles of Morals and Legislation
Se enforcar a efígie de um homem produz a mesma salutar impressão de terror junto das mentes humanas, será loucura e crueldade enforcar o próprio homem.
Jeremy Bentham, 1748-1832, filósofo inglês, Works, Principles of Penal Law.
Os homens censuram a injustiça porque temem vir a ser suas vítimas, e não porque queiram evitar cometê-la.
Platão, 428-347 a.C., filósofo grego, A República.
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