sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Amor, Perdão e Justiça: erros e faltas


Não apreciamos sobremaneira o perdão. Perante o infractor e o criminoso, a divisa «Olho por olho, dente por dente» é mais do nosso agrado do que o perdão. Na prática, a nossa justiça tem pouco a ver com o amor.
E isso, mesmo a nível dos tribunais, onde a imparcialidade dos juízes é obviamente maior. Os juízes não podem abrir demasiado o seu coração. Isso seria demasiado perturbador.
Um juiz não pode especular como Sponville o faz, a propósito das culpas do réu presente na barra do tribunal:

Se tivéssemos crescido como aquele pulha, e não nos tivéssemos tornado um pulha como ele, não teria isso a ver com o facto de sermos diferentes dele, apesar das semelhanças? Escolheu ele ser como é? E escolhemos nós não sermos como ele?

No fundo, a função dos tribunais não é aplicar a justiça no sentido mais nobre do termo, ou seja, não é aplicar a justiça com base no amor aos homens e ao mundo. Isso conduziria demasiadas vezes ao perdão, o que seria fatal à ordem social.

O que determina a dureza de muitas castigos não é tanto o grau de culpa do réu, mas sim a necessidade de ordem e de desincentivar o crime. Por outras palavras, citando Savile:

Não se manda matar ninguém por roubar cavalos, mas sim para que os cavalos não sejam roubados.
George Savile, 1633-1695, político e ensaísta inglês, Of Punishment

Em nome da manutenção da ordem social, há que castigar. A justiça oficial não pode ser baseada no amor e no perdão.
E no entanto há situações em que o amor é fundamental, sobretudo quando somos nós os juízes, e nos sentimos tentados a actuar segundo a divisa «Olho por olho, dente por dente» Com amor perdoamos. Sem amor os erros e pecados dos adversários transformam-se em crimes afrontosos. E daí podem nascer os nossos próprios crimes, e muitas loucas guerras.


Citações

Formas de ver a Justiça

Quantas coisas exigem a nossa piedade, a humanidade, a indulgência, a justiça e a fé, e não estão previstas na lei?

Que razão assiste ao homem bom para odiar os que pecam? Não é próprio do sábio odiar os que erram, pois que de outra maneira se odiaria a si próprio.

Não há ninguém que possa auto-absolver-se; aquele que se proclama absolutamente inocente perante os outros, não o é na sua consciência.

Séneca,  4 a.C.-65 d. C., filósofo romano, Da ira

A máxima do perdão é esta: se fores incapaz de amar quem te agrediu, cessa ao menos de odiar.

Todos os crimes merecem, claro está, ser tratados com misericórdia: todos fazemos o que podemos, e a vida é demasiado dura e demasiado cruel para condenarmos todas as nossas quedas.

A. Compte-Sponville, filósofo francês, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes

O perdão não é aplicável aos que se rebolam no contentamento da sua boa consciência, ou para os agressores que não estão arrependidos.

V. Jankélévich, 1903-1985, filósofo francês, Le pardon


Ainda hoje, numa sociedade de direito, o sentimento de justiça é vivido como vingança e castigo.

E. Morin, sociólogo e filósofo francês, Método V

Toda a punição é um prejuízo moral: toda a punição é em si um mal.

Jeremy Bentham, 1748-1832, filósofo inglês, Principles of Morals and Legislation 

Se enforcar a efígie de um homem produz a mesma salutar impressão de terror junto das mentes humanas, será loucura e crueldade enforcar o próprio homem.

Jeremy Bentham, 1748-1832, filósofo inglês, Works, Principles of Penal Law.

Os homens censuram a injustiça porque temem vir a ser suas vítimas, e não porque queiram evitar cometê-la.

Platão, 428-347 a.C., filósofo grego, A República.

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