quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A qualidade da Vida e da Morte

Na formação do médico, bem como na formação das especialidades, a morte costuma ser abolida do rol de preocupações clínicas. Dificilmente os médicos perguntam, na anamnese, se o paciente tem medo de morrer, pensa em morrer, pensa em suicídio, ou coisas assim. Aliás, nem sequer é perguntado se o paciente está triste, nem sequer como ele ESTÁ... E isso se deve, provavelmente, à total falta de conhecimento sobre o que fazer com a resposta do paciente.

Quanto mais avança o conhecimento médico em todos os campos (farmacologia; terapêutica, anestesia, cirurgia, transplantes de órgãos, fertilização humana, genética, imunologia, medicina nuclear, recursos diagnósticos, etc...), quanto mais se desenvolvem tecnologias aplicadas à medicina, mais o médico se distancia da morte.  

Os protocolos de procedimentos médicos, as normas administrativas da medicina e os rígidos manuais de conduta acabaram por institucionalizar a morte. É comum vermos em livros-texto uma perfeita descrição de determinado quadro clínico, reconhecidamente irreversível e com desfecho fatal, mas nada se fala dos cuidados finais, da atenção familiar e afetiva que o paciente deveria receber nesse momento. Não, fala-se muito em deixá-lo nos centros de terapia intensiva.

É objetivo da Medicina Paliativa é a preocupação com a desinstitucionalização da morte, dando ao paciente a possibilidade de escolher permanecer em casa durante sua agonia. A discussão que pretendemos alimentar é, sobretudo, um protesto contra as condições de vida impostas pela medicina moderna aos doentes terminais, subtraindo deles as opções de um morrer menos sofrível. Pensamos que, intervir no paciente terminal em centros de terapia intensiva, quando não objetiva exclusivamente minimizar sofrimentos, pode refletir sentimento de onipotência da medicina sobre a vida, sobre a vida física, como se ela fosse considerada o bem supremo e absoluto, acima da liberdade e da dignidade.  

O amor pela vida, quando a toma como um fim em si mesma, se transforma em um culto pela vida. A medicina que se preocupa insensivelmente com as “condições vitais”, deixando de lado as “qualidades vitais”, promove implicitamente esse culto idólatra à vida.    

Nessas circunstâncias a medicina interfere na fase terminal como se travasse uma luta a todo custo contra a morte e não, como seria preferível, numa luta em defesa do paciente. A maneira de morrer, portanto, não pode ser excluída, absolutamente, do projeto de vida da pessoa. A maneira de morrer também é uma forma de humanizar a vida no seu ocaso, devolvendo-lhe a dignidade perdida.

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