quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

LIDANDO COM A MORTE - parte 2

Antigamente o paciente em fase terminal morria em sua própria casa, lentamente, onde tinha tempo para despedir-se e passar seus últimos momentos com seus familiares. Nossa cultura científica e objetiva por excelência, muitas vezes acaba por deixar pessoas morrerem sozinhas, na assepsia fria dos hospitais e experimentando, como último sentimento, um dos medos mais primitivos do ser humano: a solidão.

Com o desenvolvimento científico morrer tornou-se solitário e desumano. Geralmente o doente, cognominado Doente 620-C ou doente do Box 3-B, é confinado ao seu leito onde aguarda a morte chegar, estando as pessoas seriamente preocupadas com o funcionamento de seus pulmões, secreções, pressão venosa central, traçado eletrocardiográfico, etc.

Diante do paciente terminal, quando a medicina já sabe que a doença venceu a guerra, não cabe mais ao médico a tentativa de cura, muitas vezes extremamente sofrível e estéril, mas assistir, servir, confortar e cuidar. Se pretendermos ajudar alguém nessa fase, seja terapeuticamente, medicamente ou humanamente, deveremos nos informar e nos preparar para lidar com a morte.

Mas sempre tem alguém que já sabe sobre a morte, não precisa saber mais nada, como é comum dizerem sobre qualquer tema da psicologia e da psiquiatria. Ora, todos também sabemos correr. O problema é que, se não treinarmos e aperfeiçoarmos a arte de correr, jamais faremos alguma coisa meritosa com nossa maneira, digamos, “natural” de correr. Portanto, vamos falar da morte para ajudar pessoas que morrem...

Segundo o paradigma cartesiano, segundo ainda os dicionários objetivos, a morte se constitui o oposto da vida. Por isso, torna-se um fenômeno aterrorizante, repulsivo e desconhecido para nossa espécie, que exulta instintivamente a vida. Dor e medo são os sentimentos básicos predominantes nesta relação com a morte.

Mas a morte é um processo biológico natural e necessário. Falar que a morte é o contrário da vida não é correto. A morte é uma condição indispensável à sobrevivência da espécie e, através dela a vida se alimenta e se renova. Desta maneira a morte não seria a negação da vida e sim um artifício da natureza para tornar possível a manutenção da vida.

A sociedade ocidental, basicamente, rejeita a morte procurando constantemente vencê-la e para isso se baseia no seu desenvolvimento científico. A tentativa de vencer ou, no mínimo, contornar a morte é pretendida com certo sucesso pela medicina moderna.

Tomando por base a aspiração natural do ser humano para a vida, considerando ainda que o maior desejo do ser humano é a imortalidade, na maioria das vezes a morte é considerada uma inimiga.

O sonho da permanência eterna ou, no mínimo, muitíssima prolongada, ganhou um importante aliado com os avanços da medicina, com o aumento da expectativa de vida, com a possibilidade de haver cura para todas as doenças, mesmo o câncer ou a Aids.

Enfim, a ciência médica com seus progressos para a melhoria da vida, com seus avanços científico-tecnológicos, com a indiscutível eficiência dos diagnósticos, dos medicamentos, das técnicas cirúrgicas, etc, não tem tido tempo de falar da morte. Não a ciência médica, mas os médicos, embevecidos pelo sucesso na promoção da vida, acabam achando um despropósito dedicar-se a cuidar da morte, único evento decididamente atrelado à vida.

Não se sabe bem porque mas, apesar do sucesso da ciência em prolongar a vida útil do ser humano, em manter jovem por mais tempo as pessoas, em atrasar o envelhecimento, em fazer viver mais de 100 anos, enfim, apesar de todos esses fatores de valorização da vida e da conquista da beleza e jovialidade duradouras, a idéia da morte continua assombrando ainda mais.

Poderíamos perguntar, hipoteticamente, ao ser humano: - “depois de todas essas conquistas da ciência para aumentar o tempo e a qualidade da existência humana, você está satisfeito?” Certamente a resposta é não. E é graças a esse inconformismo com a finitude que o ser humano promove, cada vez mais, sua permanência entre os vivos. Talvez todo esse avanço tenha servido para estimular maior apego ainda à vida.

Enfim, tudo o que possa lembrar a morte, seja a doença grave, a velhice, a decrepitude e até a própria idade é escamoteado. Para a ocultação ser completa, o próprio doente que vai morrer, morre no hospital, longe dos olhos (e do coração). Também os rituais de luto são cada vez mais rápidos e pragmáticos, digamos, mais empresariais e mais clean.

Como se não bastasse o verdadeiro pânico do ser humano diante da morte, ainda somos educados com a personificação da morte representada por um esqueleto coberto com uma capa preta e carregando uma foice afiada na mão, pronta para degolar quem quer que se aproxime. Dificilmente as pessoas entenderão que a morte possa apenas representar uma vida que chegou naturalmente ao fim, uma existência que simplesmente expirou.

A duração máxima da vida humana atualmente é de, aproximadamente, 120 anos. Alguns centros científicos dedicados à pesquisa da longevidade trabalham com uma expectativa de levar a vida humana até os 400 anos.

Hoje se acredita que o processo de envelhecimento, que culmina com a morte, não se dá aleatoriamente, simplesmente como conseqüência natural da degeneração, mas como um processo ativo e geneticamente programado. Este programa estaria impresso nos cromossomos, ou seja, nossas células se regenerariam um número geneticamente definido de vezes, depois do qual morreriam.

 

Ballone GJ - Lidando com a Morte - in. PsiqWeb Psiquiatria Geral

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