quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Aprendendo a Morte para ajudar melhor

Embora muitas pessoas que lidam com pacientes terminais insistam em fazer de conta que não sabem, mas a maioria dos pacientes em estado terminal procura falar sobre a angústia da morte, a maioria deles quer ser ouvida, quer ser confortada, quer encontrar na humanidade algum apoio que, muitas vezes, nunca teve durante seus anos de saúde.

Ler, saber e se preparar para tratar desse tema pode melhorar o atendimento às pessoas terminais, pode melhorar os sentimentos do próprio profissional que lida com isso.

Como o conceito puramente biológico, mecânico e materialista da morte nos dá angústia e a sensação incômoda de finitude, o ser humano tende a analisar a morte filosoficamente, criando aspectos que transcendem aqueles puramente biológicos. E, filosoficamente, a morte é vista de maneira diferente segundo diferentes grupos sociais e de acordo com diferentes aspectos religiosos, éticos e culturais.

Tanto a filosofia, quanto as BOAS religiões podem ser úteis na hora da morte. Evidentemente as seitas que submetem o futuro morto a uma espécie de vestibular para o céu não contribuem em nada, pelo contrário. No budismo, assim como na tradição cristã, o desapego material é uma condição essencial para uma morte mais serena e sem grande angústia.

Portanto, para viver momentos terminais sem o terror, temor e tormento da idéia do fim e da perda, é necessário cultivar um certo desapego em relação à vida, é necessário ter a consciência de que na morte, não podemos levar nada conosco; nem os bens, nem os amigos, nem os diplomas, nem o sucesso. Deixar de ser para essas coisas significa, obrigatoriamente, que essas coisas também deixam de ser para quem vai morrer.

A consciência da finitude humana, particularmente, a consciência de sua própria finitude por parte de quem vai morrer, melhora a vida e estimula um redimensionamento dos valores. A atitude psicoterápica (que não é monopólio dos psicoterapêutas) pode ajudar nessa fase de re-valorização da vida, pode ajudar a despertar valores que tornam o viver, ainda que breve, mais pleno e sereno.

O simples fato de estar vivo habilita o sujeito às leis da existência, as quais determinam o seu próprio término. Alivia, portanto, aceitar a transitoriedade da vida e da condição de existência humana. E essa regra se aplica a todos; ao paciente, ao médico, ao presidente da república e à todos os bilhões de pessoas desse nosso planeta. Convém ter sempre em mente que ninguém pode mudar o fato de que um dia vai acabar, mas podemos mudar o modo de nos relacionarmos com esse fato.

O exercício espiritual, conduzido, promovido e assistido pelo médico, pelo religioso, familiar, amigo ou qualquer pessoa disposta a isso, facilita a aceitação gradual da morte como conseqüência da própria vida.

O perfil e a sensibilidade afetiva de cada um, bem como o conjunto das experiências vividas, tem papel importante na lida com a morte. O fenótipo, que é a somatória dos genes da personalidade com a influência do destino sobre eles, pode tanto potencializar o medo da morte quanto ajudar a conviver melhor com a consciência da finitude.

Psicodinamicamente, o empenho do terapeuta está em desfazer, na medida exata, o culto ao ego que há dentro de cada um de nós. Esse culto ao ego é que faz com que a pessoa acredite e aceite a morte dos bilhões de seres humanos do mundo, menos a sua própria. Para ele não existe o curso natural dos acontecimentos biológicos a que todos seres viventes estão sujeitos. É o culto ao ego que faz o indivíduo se colocar sempre acima do todo a que pertence.

Ao não conseguir se colocar na intimidade do todo, do comum, do normal, esse ego sofre exagerada e desnecessariamente para aceitar a parte que lhe cabe. Na vida, quanto mais a pessoa pretende se destacar dos demais (independente do mérito ou demérito disso, que não vem ao caso agora), mais ela sofre com a ausência de solidariedade e com o isolamento que a morte impõe, obrigatoriamente. As pessoas não costumam ser solidárias o suficiente para morrer juntas com as outras.

A filosofia pode favorecer maneiras de lidar melhor com a morte. Sócrates, antes de morrer, condenado que foi a tomar um veneno letal, deixou um bom estímulo à reflexão: “Porque morrer é uma ou outra destas duas coisas. Ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja. Ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência e uma migração para a alma, deste lugar para outro”.

Isso quer dizer que as duas maneiras de considerar o problema podem ser satisfatórias; para quem não acredita na continuação da vida, a morte é o nada, é a ausência completa de angústias e desesperos, portanto, ao contrário do sofrimento, é o fim das aflições. E, para quem acredita na continuação da vida, a morte é a passagem desta existência para outra melhor. De qualquer forma, a dor estaria na vida e não na morte.

Ao terapêuta terminal cabe escolher a melhor situação ideológica que atende à pessoa terminal. Preferentemente, devido à sensibilidade natural das pessoas e às influências culturais, o apelo religioso deve ser considerado em primeiro lugar.

Independente da crença religiosa, a maioria das doutrinas ajuda a superar a angústia em relação à idéia de finitude, ajuda a encontrar respostas sobre por que se vive, por que se morre e o que acontece após a morte. Excetuando as crenças de teor punitivo, que normalmente atendem mais a aspiração de vingança do ser humano rancoroso do que uma sólida base teológica, a maioria das doutrinas conforta e consola diante da morte.

A maioria das religiões supõe uma outra vida que se segue à morte, existiria então uma continuidade da mente, da alma, do espírito, enfim, haveria a continuidade de alguma coisa que convalida a pessoa e a vida atuais. A visão espiritual da morte implica viver em função dessa continuidade, a qual, além de nos tornar mais responsáveis pelas conseqüências dos nossos atos, sugere a noção de desapego às coisas que deixamos com a morte.

Não havendo possibilidade religiosa para confortar diante da morte existe a visão materialista, em oposição à visão espiritualista. Para a visão materialista dos filósofos iluministas do século XVIII, a morte é o fim total e absoluto, é nada mais do que a interrupção de um processo neurofisiológico, um mero evento biológico. Mas esse enfoque vem desde Epicuro.

Segundo ele, a morte se caracterizaria pela ausência de sensações, pois, o morto não sente. Seguindo esse raciocínio, não deve ser boa nem ruim a morte, uma vez que só há bom e ruim na sensação, e a morte é ausência de sensação.

De fato, as sensações representam a porta de entrada de nossa consciência, a qual nos dará a noção de nosso sujeito (nosso corpo) e de nosso objeto (do mundo ao qual contactamos pelas sensações). Como a morte é ausência das sensações, e estas representam a fonte de todo o prazer e de toda dor, não pode haver nada de bom nem de ruim, nem prazer nem dor, depois da morte.

O comportamento humano, maniqueísta, sugeria que podíamos viver, agir e aproveitar os prazeres da vida sem temer nenhuma punição depois, sem temer a morte, porque a morte não é nada para quem está vivo, pois, quando existimos a morte não existe e, quando a morte está presente, deixamos de existir.

No entanto, apesar do discurso materialista sobre a morte apelar fortemente para a razão, se esforçando em deixar a emoção de lado, no ser humano normal o medo de morrer pode gerar um apego muito forte aos elementos do cotidiano, um desespero diante da possibilidade perder tudo o que colecionou durante a vida com a morte. Outra contribuição ao medo da morte, além dessa noção materialista de perder tudo, é a cultura ocidental com sua obsessão pela idéia do ser jovem como metáfora de vida saudável.

 

Ballone GJ - Lidando com a Morte - in. PsiqWeb Psiquiatria Geral

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