quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Ligações perigosas: do ovário às artérias

Mulheres que sofrem com os cistos ovarianos devem ficar atentas também à pressão arterial. Descubra por quê

Pele muito oleosa, dificuldades para engravidar e quilos a mais na balança. Pelo menos 10% das mulheres se identificaram com algum desses sintomas. Esse é o número estimado de portadoras da síndrome do ovário policístico, ou SOP, segundo César Eduardo Fernandes, presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo. Como se não fosse suficiente, agora há mais um motivo para esse contingente feminino se preocupar: a hipertensão.
A consultora de comunicação Thuane Paiva, 27 anos, conhece bem essa história. Diagnosticada com a SOP aos 16 anos, ela descobriu a pressão alta por acaso, em exames de rotina realizados em 2010. "Com exceção de pontinhos pretos que transitavam na frente dos meus olhos e que eu associava ao astigmatismo, nunca percebi nenhum outro sintoma da doença", relata Thuane. Hoje, ela toma medicamentos, faz exercícios físicos, controla a alimentação e mede a pressão uma vez por semana.
O caso de Thuane não é o único em que a hipertensão está associada à SOP. Um estudo realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte comprovou essa ligação. Os pesquisadores compararam 355 mulheres com mesmo peso e idade, sendo que metade delas tinha a síndrome. Eles descobriram que 18,6% das participantes com o problema apresentavam alterações na pressão. Nas outras voluntárias, a incidência caiu para 9,9%.
O excesso de peso que às vezes acomete quem tem os cistos no ovário já foi genericamente apontado como responsável por esse elo. Mas agora os especialistas investem em pesquisas para desvendar o que de fato está por trás da relação entre os dois distúrbios. Uma das hipóteses mais bem-aceitas pelos médicos é a da resistência à insulina, quando esse hormônio não consegue botar o açúcar dentro das células.
Conhecida por ser uma das causas do diabete tipo 2, nas mulheres a disfunção também pode explicar a SOP. "Durante a puberdade, o organismo passa a secretar mais hormônio do crescimento. E ele é um antagônico da insulina, criando uma reação de resistência", explica Ricardo Meirelles, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Esse fenômeno costuma durar até o fim da puberdade, mas nem sempre é assim.
Por razões não esclarecidas, algumas mulheres adultas continuam com a resistência à insulina típica da adolescência. E é aí que mora o perigo para o ovário: a glândula não resiste à ação do hormônio. Logo, todo o excedente que é produzido entra sem dificuldades ali e desregula o seu funcionamento, causando a síndrome. Essa combinação explosiva ajuda a explicar a relação entre a SOP e a hipertensão.
Um novo estudo está aprofundando ainda mais a busca pelos culpados por essa conexão. Pesquisadores da Unidade de Endocrinologia Ginecológica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, investigam pela primeira vez um dos genes da aromatase, a enzima que transforma os andrógenos — hormônios masculinos que também existem no corpo da mulher — em estrógenos, que, entre outras funções, controlam o ciclo menstrual. A pesquisa revela que nas portadoras da SOP com pressão alta o tal gene é muito mais ativo. Parece complexo, mas essa pode ser a chave para entender esse elo surpreendente.
O tratamento
Mesmo que a refém da síndrome não seja hipertensa, é importante ficar de olho. Não basta se submeter ao ultrassom, que é utilizado pelos ginecologistas para monitorar o desenvolvimento dos cistos. "É preciso também fazer exames clínicos periodicamente com outros especialistas, como o cardiologista", recomenda Priscilla Cukier, endocrinologista do Hospital Santa Catarina, em São Paulo. Nessa lista, entram testes para avaliar os níveis de glicose e colesterol no sangue. "Nas adolescentes, usamos medidas preventivas, como alimentação equilibrada e exercícios físicos. Para as adultas, indicamos remédios que controlam a ação da insulina", explica César Eduardo Fernandes. Assim, a pressão e os ovários entram nos eixos.
Hormônios versus pressão
Por trás da síndrome do ovário policístico, muitas vezes está a resistência à insulina. Por causa dela, os níveis de glicose vão às alturas e até os próprios ovários são prejudicados
1) A formação da resistina
Em quem apresenta a resistência à insulina, os adipócitos, as células de gordura, fabricam espontaneamente uma substância chamada resistina, que gruda ao redor de outras células, impedindo a entrada da insulina. Quanto mais tecido adiposo, mais resistina é produzida.
2) O que acontece com a glicose
A insulina é produzida normalmente pelo pâncreas. No entanto, devido à barreira criada pela resistina, esse hormônio não consegue botar a glicose para dentro das células. Daí, o açúcar passa a se acumular na corrente sanguínea.
3) Pâncreas a mil
Diante de tamanha enxurrada de açúcar no sangue, o pâncreas entende que não está dando conta do recado. Por isso, começa a secretar doses cavalares de insulina. E o excesso de glicose que fica dando sopa na circulação vai parar no tecido adiposo.
4) Insulina no ovário
Diferentemente dos demais tecidos, no ovário a insulina entra sem resistência. Como o pâncreas aumentou sua fabricação, uma alta dosagem do hormônio adentra a glândula.

5) Crise hormonal
O excesso de insulina deixa o ovário alterado. Ele passa a produzir mais andrógenos, hormônios masculinos, do que estrógenos, hormônios femininos.

6) Cistos
A falta de estrógeno é um problema. Como o ovário continua recebendo FSH e LH — dois hormônios que estimulam a liberação do óvulo —, surgem os cistos porque não há hormônio feminino suficiente para regular o processo.
7) Aumento da gordura
Já a glicose em demasia financia a expansão do tecido adiposo. Ele, por sua vez, libera substâncias inflamatórias nas artérias, como o fator de necrose tumoral, o TNF-alfa.
8) Inflamação nas artérias
A insulina que sobrou no sangue entra em conflito com a tal TNF-alfa. Começa, então, um processo inflamatório que derruba os níveis de óxido nítrico, molécula responsável pela elasticidade arterial.
9) Aumenta a pressão
Menos elástica, a artéria enrijece e, para completar, o acúmulo de glicose forma uma placa de gordura. Aos poucos, há cada vez menos espaço para o sangue passar. Ele empurra as paredes dos vasos com força: sobe a pressão.
Os sintomas
A menstruação é uma das grandes delatoras da SOP: ela não acontece ou fica bem desregulada. Além disso, os problemas causados pelo excesso de andrógenos, como acne, pele muito oleosa, pelos faciais e calvície, denunciam a síndrome. Outro fator é o ganho acelerado de peso.

Outros males da SOP
O mais sério deles é a infertilidade: 75% das portadoras da SOP não conseguem engravidar sem tratamento. Isso por causa da dificuldade do corpo de produzir estrógenos. A resistência à insulina também favorece o aparecimento do diabete tipo 2 e de problemas cardiovasculares como o derrame. Sem contar a obesidade.

[Hilda Sabino]

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