terça-feira, 19 de abril de 2011

O papel dos amantes

por Elisabeth Orsini e Marcia Cezimbra

Agência Globo

Os amantes sempre foram os responsáveis oficiais pelo fim de inúmeros casamentos. Mas há quem diga que os tempos mudaram. A socióloga mineira Agenita Ameno, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), entrevistou centenas de casais e afirma que o amante – principalmente a amante, porque, segundo a pesquisa, a maioria dos infiéis é homem – é fundamental para manter o casamento. Revelações surpreendentes, de que o homem trai por atração física e a mulher para se vingar do desamor do marido, estão no livro de Agenita A função social do amantes na preservação do casamento monogâmico,, recém-lançado pela Editora Autêntica.

“A função dos amantes é manter o casamento como instituição tradicional. Apesar de centenas de depoimentos que revelavam uma melhora no casamento devido à vivência de outra relação paralela, o papel dos amantes não se restringe a esquentar a cama dos casais. Há uma contradição no triângulo amoroso. Ele é prazeroso, mas implica também dor e sofrimento”, diz.

Para o psicanalista Marco Antonio Saldanha, porém, o amante é um sinal de que os prazeres e as trocas eróticas do casamento acabaram. “Para os casais que vivem em estado de penúria erótica, o amante pode tornar a vida mais suportável. Mas podemos chamar isto de casamento?”, indaga.

Agenita Ameno constatou que 40% dos entrevistados já tiveram ou têm amantes. Do restante que nunca traiu o companheiro, a maioria diz que não o fez por falta de oportunidade ou de coragem. “Concluí que os amantes são o retrato de uma sociedade construída em fundamentos hipócritas”.

Mas psicanalistas como o gaúcho José Outeiral afirmam que as relações gratificantes não precisam de amantes. É o caso da fisioterapeuta Patrícia Carvalho. Ela conta que viveu as duas situações. Teve um amante durante três anos de um casamento muito frustrante. Depois de cinco anos de terapia, vive há oito um novo casamento tão gratificante que não há lugar para traições nem em pensamento.

“Sofri demais vivendo um triângulo por tanto tempo. Tentava fugir das tristezas do meu casamento, mas a frustração foi ficando cada vez maior. Vi que estava dividida, fragilizada, doente. Fui me tratar e terminei com os dois. Hoje vivo com um homem maravilhoso, cheio de qualidades e de defeitos, mas o amo. Não tenho vontade de ter outro nem em fantasias”.

O psicanalista Wilson Chebabi diz que as relações começam com representações idealizadas de um sobre o outro, mas o cotidiano vai revelando as diferenças entre o que se imagina do outro e a realidade. “O amante é um complemento para restaurar esta imagem idealizada e também para punir um parceiro que não realizou os sonhos. Nestes casos, o relacionamento do casal tem de ser restaurado. Já numa relação gratificante, o casal não permite que um amante atrapalhe”.

Para a psicóloga Ana Carvalhaes, casais infiéis não sabem transformar a emoção inicial do casamento em amor e solidariedade. Eles buscam novas emoções, mas não fazem vínculos afetivos.

Relações desgastadas levam à infidelidade

Para o psicanalista gaúcho Gley Costa, autor de três livros sobre relações amorosas (Dinâmica das relações conjugais, Conflitos da vida real e A cena conjugal, todos da Editora Artes Médicas), o amante funciona como uma prótese que visa a compensar a incapacidade de muitos casais de reunir num único relacionamento sexo e ternura. “Amantes são fundamentais em casamentos incompletos e insatisfatórios, mas são dispensáveis em relações em que o prazer, principalmente o sexual, ocupa lugar destacado na vida do casal”.

O psicanalista Carlos Alberto Saba diz que a pesquisa de Agenita Ameno comprova que a busca de amantes ocorre quando a função do casamento, de pacto e cumplicidade prazerosos, é desvirtuada. “O que acontece é que, após a fase inicial de encantamento, as pessoas transformam seus casamentos numa tragédia grega, num contrato de regras, numa relação pesada. Não é mais o jogo lúdico de prazeres, mas um contrato de obrigações, deveres e responsabilidades. A cama, que deve ser o parque de diversões dos adultos, perde sua função de farra e se torna uma coisa séria. Este desvirtuamento leva à busca de amantes.”

Saba diz que, nestes casos, o marido e a mulher sabem intuitivamente que um dos parceiros está tendo um caso. “Algo muda no outro. Mas muitos preferem manter este jogo tácito para não se revelarem nas suas dores”. A socióloga Agenita Ameno espera que as mulheres, maioria nas relações triangulares, façam uma revolução nestas relações hipócritas. “A esposa e a amante são igualmente servas. Assim, mais uma vez e mesmo traindo, reforçamos nossa função de conservadoras do sistema: não importa se estamos vestidas até as orelhas ou se estamos nuas na rua. Até hoje não nos livramos da condição de viver em função dos outros. O importante não é por que se trai, mas por que somos obrigadas a ser fiéis”, diz.

A publicitária Elisa Marins, por exemplo, conta ter resolvido os seus conflitos ao decidir manter, sem culpas, o marido e o amante. Ela disse amar os dois e não vê problema algum em ficar com ambos. “Eu sou fiel a mim mesma. Gosto dos dois de verdade, o que é que tem? Não fui feliz na monogamia, mas acho a bigamia agradável”, declara.

NÃO À MONOGAMIA – O psicanalista gaúcho José Outeiral lembra que o ser humano não é monogâmico por natureza. A monogamia é, segundo ele, uma criação cultural, embora ele não considere necessário a presença de amantes para o que casamento possa se manter.

“Os parceiros do casamento monogâmico devem ter habilidade suficiente para representar diferentes papéis de forma a tornar menos monótono o cenário da relação. A criatividade e o cuidado constante com a relação afastam a necessidade de outros na vida conjugal. Mas não somos monogâmicos por natureza. Amamos muitas pessoas diferentes: a mãe, o pai, a mulher ou o marido, os filhos, os amigos. Estamos sempre cometendo necessárias infidelidades. Com mulheres, por exemplo, traímos nossa mãe com outra. Elas têm ciúmes uma da outra... É como diz o tango: É assim a vida, a vida continua.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário aqui!