quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Viciados em exercícios físicos não percebem que estão doente

Questionário ajuda a identificar risco de transtorno que leva ao abuso nos treinos e aos anabolizantes

A doença que faz a pessoa se achar mais magra ou fraca do que é -enquanto seus músculos incham- vem sendo subdiagnosticada, conforme especialistas.

Essa falsa percepção, característica do transtorno da vigorexia, leva o doente a abusar de exercícios físicos e, às vezes, de anabolizantes.

Diferentemente do paciente anoréxico, o vigoréxico raramente procura ajuda, segundo a psiquiatra Ana Gabriela Hounie, da Associação Brasileira de Psiquiatria.

"Quando um chega ao psiquiatra é porque foi encaminhado por um cardiologista ou urologista, procurado para solucionar problemas causados por uso de esteroides."

Incomodado com a falta de diagnóstico e a proliferação de vigoréxicos ao seu redor, o educador físico e instrutor Marcus Zimpeck, 29, criou um teste para avaliar o risco de o aluno desenvolver o problema (ao lado).

"Metade dos homens que vejo em academias fica exibindo os músculos e gastando dinheiro com suplementos. Muitos vão para o caminho dos anabolizantes", diz.

Segundo o instrutor, detalhes como a frequência dos treinos e a autoavaliação no espelho podem ajudar a pessoa a checar se há risco.

A psiquiatra Hounie diz que o teste não é diagnóstico, mas pode detectar comportamentos suspeitos e levar a pessoa a um especialista.

"O que dirá se a pessoa tem vigorexia é se a percepção do próprio corpo não corresponde à realidade."

Zimpeck aplicou o questionário em dez homens. Um deles, conta, teve a máxima pontuação. "Aconselhei a procurar um especialista."

Mas o instrutor diz que a maioria brinca com o tema. "O pessoal não leva a sério enquanto não surge algum problema no organismo."

AMBIENTE

Academias são complacentes com o problema, na visão de Vladimir Modolo, professor de educação física e pesquisador do Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercícios da Unifesp.

"Academias têm a tendência de contratar professores sarados para atrair mais público." Segundo Modolo, muitos instrutores ignoram os danos causados à saúde pela vigorexia.
"Acabam propiciando um ambiente no qual os praticantes são estimulados a cultuar o corpo sem controle."

O psicólogo Niraldo de Oliveira Santos montou um grupo no Hospital das Clínicas de São Paulo para tratamento gratuito da vigorexia.

De 2006 até hoje, ele diz que só recebeu dois pacientes que usavam anabolizantes, mas não se enquadravam no diagnóstico do transtorno. "As pessoas não procuram tratamento."

"Para o vigoréxico, seu único problema é ele não estar malhando o suficiente", reforça Hounie. E os anabolizantes são ferramenta para atingir o corpo almejado.

"Quanto mais doses a pessoa tomar, mais efeitos colaterais terá", alerta o endocrinologista Evandro Portes, vice-presidente da regional paulista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia.
E enumera: pressão alta, insuficiência cardíaca, câncer no fígado, atrofia testicular, infertilidade, convulsões, agressividade.
"Eu sempre quis ser o mais forte da academia"
Faz 15 anos que o representante comercial A.T.F., 33, frequenta academias. Nos últimos cinco passou a consumir anabolizantes e aderiu a treinos mais pesados: mais horas, mais cargas.
"Eu sempre quis ser o cara mais forte da academia."

Ele diz que nunca está contente quando se olha no espelho. "Às vezes, me acho gordo e quero ficar mais forte, às vezes me acho magro e quero ficar mais definido."

Medindo 1,80 m e hoje com 91 kg, o vendedor já chegou a pesar 20 quilos a mais.

"Quando a gente entra nessa de disputar com os outros, comparar tamanho do bíceps, percebe que o corpo já deu o que tinha que dar. Aí, entram os hormônios."

Nos últimos três anos, ele conta que tomou seis "ciclos", como são chamados os períodos de oito semanas de injeções de anabolizantes. A.T.F. usa duas ampolas de testosterona sintética por semana durante os "ciclos".

"Bom é quando eu levanto mais peso do que todo mundo." No "leg press", aparelho usado para fortalecer músculos da coxa, ele diz que já usou carga de 700 kg. "O pessoal até parava para assistir."

Afastado dos treinos pesados desde o fim do ano passado, por conta de lesões não relacionadas aos exercícios, ele espera voltar a tomar hormônios depois do Carnaval.

O vendedor diz que nunca teve problemas com efeitos colaterais. "Se tivesse medo dos efeitos, não tomaria."

Preparação para o Carnaval estimula excessos

Apesar de mais comum em homens, a vigorexia não discrimina mulheres. "O comum é a mulher buscar o ideal de beleza associado à feminilidade, ao corpo violão", diz a psiquiatra Ana Gabriela Hounie.

"O corpo musculoso é um desvio da norma cultural, mas acontece, principalmente entre aquelas que são adeptas do fisiculturismo."

A preparação para os desfiles de Carnaval é um estímulo extra aos excessos na malhação.
Adriana Bombom, 36, apresentadora do "TV Fama" (Rede TV!), diz que já cometeu exageros na academia, mas que, agora, tenta pegar mais leve nos exercícios.

"Quanto mais você malha, mais acha que não está bom. Meu amigos falavam: "Está demais". Mas eu não conseguia ver o que eles viam."

Diz que reduziu a malhação há um ano, porque passou a perder trabalho como modelo. "A única coisa que poderia fazer com aquele corpo era comercial de shake."

Hoje, ela afirma que seu corpo está mais feminino. Atualmente,está treinando para desfilar no Carnaval. Sua rotina inclui comer 20 claras de ovo antes de malhar por uma hora e quarenta minutos todo dia.

"Sou muito satisfeita com o meu corpo", diz.
Mesmo assim, afirma sentir falta dos músculos que tinha na época da malhação pesada. "Acho lindo mostrar o corpo todo durinho."
[Folha de São Paulo]

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